POETAS ALAGOANOS

PAJUÇARA

(Para o Cel. Sylvestre Góes Monteiro)

 

Pajuçara! Regressarei um dia..

Há de sentir o contato da tua areia alvinitente,

o meu corpo de homem já cansado...

Ah! Então repousarei como em outros tempos,

no teu colo arenoso, de brancura impecável,

a minha cabeça branca...

E o meu mutismo profundo

será para o teu entendimento

como esse misterioso complexo que envolve o mundo,

uma angustiosa indagação...

 

Pelo bramir das tuas ondas escapeladas,

pelo farfalhar plangente de teus coqueirais,

saberei de tudo que se passou em meu longo exílio,

como também das tristezas que eu te causei

com a minha involuntária ingratidão...

Certo hás de me perguntar,

pela voz do vento:

- “Que fizeste, meu filho? Que fizeste?!

Daqui saíste engrinaldado de esperanças,

e voltas, agora, trazendo à fronte

uma coroa tecida de ciprestes.”...

 

Se atentares bem, maternal companheira de infância,

ouvirás um como dobre de finados,

no bater incessante de meu coração.

Eu te suplico, mãe dos meus dias de menino,

esqueçamos as angústias do passado,

aceita o meu abraço de saudade,

e lança sobre mim o teu perdão.

 

___

Niterói-RJ, 3 de maio de 1938.

Luiz C. Firpo[i]

 

Praia de Pajuçara, 1943. Foto revista A VOZ DO MAR.

___

Transcrito da Gazeta de Notícias, RJ, 17 de julho de 1938.



[i] Luiz Cavalcanti Firpo, filho de Arthur dos Santos Firpo e de Paulina Cavalcanti Firpo, nascido a 5 de outubro do 1905, em São Luiz do Quitunde, Estado do Alagoas, onde foi batizado na igreja matriz a 8 de dezembro de 1906. Poeta. Dentista iplomado em 1933 pela Faculdade de Farmácia e Odontologia do Estado do Rio de Janeiro.   Pseudônimo: Luís de Santa Rita.   Obra: Pajuçara (organizador, poesias). Fonte: Boletim Eleitoral, 19 de junho de 1935.             



GUIMARÃES PASSOS





_______________
¹ Sebastião Cícero dos Guimarães Passos. Poeta alagoano, nasceu em Maceió, em 22 de março de 1867 e faleceu em Paris (França), em 9 de setembro de 1909. Era filho do Major Tito Alexandre Ferreira Passos e de Rita Vieira de Guimarães Passos. 



                   TEU LENÇO

                                           Guimarães Passos¹

Esse teu lenço que possuo e aperto
De encontro ao peito quando durmo, creio
Que hei de mandar-t'o um dia, pois roubei-o,
E foi meu crime em breve descoberto.

Luto, porém, a procurar quem certo
Pode servir-me nisto de correio;
Tu nem sabes que grande é o meu receio
Se em caminho te fosse o lenço aberto...

Porém, ó minha vívida quimera.
Fita as bandas que eu moro, fita e espera,
Que enfim verás, em trêmulos adejos,

Em cada ponta um beija-flor pegando.
Ir pelo espaço o lenço teu voando
Pando, enfunado, côncavo de beijos.
...................

                 GUARDA E PASSA

                                   Guimarães Passos¹

Figuremos: tu vais (é curta a viagem)
tu vais e, de repente, na tortuosa
estrada  vês, sob árvore frondosa,
alguém dormindo à beira da passagem;

alguém, cuja fadiga angustiosa
cedeu ao sono, em meio da romagem,
e exausto dorme. .. tinhas tu coragem
de acordá-lo? — Responde-me, formosa.

Quem dorme esquece... Pode ser medonho
o pesadelo que entre o horror nos fecha;
mas sofre menos o que sofre em sonho.

Ó tu que turvas o palor da neve,
tu, que as estrelas escureces, — deixa
meu coração dormir... Pisa de leve!
...............
Publicado no jornal A ILUSTRAÇÃO BRASILEIRA, Rio de Janeiro, 15 de setembro de 1909.


                 SONETO

                          Guimarães Passos¹

À terra torna o que da terra veio;
A água que sai do vasto mar, um dia
Mais pura do que quando ao céu subia
Torna de novo ao primitivo seio.

Assim, todo o momento de alegria
Que feliz de ilusões eu via cheio;
As horas de ventura e de receio,
Tudo eu te entrego, como te pedia.

De ti, nem quero a pálida lembrança,
Viverei seu uma única esperança,
Sem o mínimo amor de uma mulher.

Mas no teu peito, que viveu mentindo,
Põe uma cruz – ao mundo prevenindo.
Que és o sepulcro do teu próprio ser.
............
Publicado no Gazeta de Notícias, RJ, em 7 de setembro de 19012.
...........

Fotografia feita após o almoço oferecido Lúcio de Mendonça, em 1901, por ocasião da publicação das "Horas do Bom Tempo". Sentados: da esquerda para a direita: João Ribeiro, Machado de Assis, Lúcio de Mendonça e Silva Ramos. Em pé, no mesmo sentido: Rodolfo Amoedo, Artur Azevedo, Inglês de Souza, Olavo Bilac, José Veríssimo, Souza Bandeira, Filinto de Almeida, Guimarães Passos, Valentin Magalhães, Rodolfo Bernardelli, Rodrigo Otávio e Heitor Peixoto. Foto: Illustração Brasileira, março de 1954. Disponível em: memoria.bn.br.





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LYGIA MENEZES



¹ Poetisa e declamadora alagoana, nascida em Maceió a 22 de agosto de 1913. Filha de Issac Menezes Filho e Cândida de Morais Menezes. Estudou no Colégio Coração de Jesus e na Escola Normal. Passou a viver no Rio de Janeiro, onde frequentava os círculos literários. Casou-se com Hugo Pedro da Cunha. Não publicou livro e sua obra está esparsa em publicações da época, como esta no Correio da Manhã. Com “Engenho Castanha” e “Joana”, participou de NOTAS SOBRE A POESIA MODERNA EM ALAGOAS – ANTOLOGIA, de Carlos Moliterno, p. 170-171. Fonte: BARROS, Francisco Reynaldo Amorim de. ABC DAS ALAGOAS, P. 277.
                                               A NOITE, RJ, 10 de abril de 1941.


  CONSOLO

                                                    Lygia Menezes¹

Jamais chores, mulher, jamais lamentes
a dor profunda que te punge a alma.
Não digas a ninguém o mal que sentes,
sofres em silencio e tua dor se acalma.

Nas horas longas de tormento infindo
não te deixes vencer. Mulher, canta,
disfarça sempre a tua dor sorrindo
e finge que o tormento não te espanta.

Jamais recues no meio da jornada,
prossegue até o fim do teu caminho.
— Para colher a rosa aveludada,
a mão às vezes fere-se no espinho.
......................
Publicada no jornal Correio da Manhã, RJ, 19/09/1952.


                    SONHO

Ou foi sonho ou foi loucura,
Dizê-lo bem, nem eu sei.
Sei que apenas uma criatura...
Amei.

E foi tão grande e divino
O grande amor que senti...
Que querendo fugir do meu destino
Sofri.

Sonho lindo! Amor risonho!
Onde me levar? Aonde vais?
— Quem me dera que esse sonho
Não se acabasse nunca mais!...
.................
Publicada no jornal A PROVÍNCIA, Recife, 16 de julho de 1932.



                NÃO TE LEMBRES...

                                            Lygia Menezes

Ao surgir, amanhã, o sol nascente,
Não te lembres, nunca mais, que eu te quis...
E, embora eu fique em pranto tristemente,
Segue pensando que fiquei feliz...

Não recordes que vou viver sozinha...
E sozinho, também,  tu partirás...
A culpa não foi tua e nem foi minha...
Nunca mais te verei! Nem me verás!

E, embora eu fique em pranto, tristemente,
Não entendas que foi porque te quis...
Ao surgir, amanhã, o sol nascente,
Segue pensando que fiquei feliz...

Maceió, 9 de março de 1933.

.............
Publicada no jornal A BATALHA, RJ, 22 de abril de 1933.
............

                DESTINOS
                                      Lygia Menezes

Eu queria ter o destino desse grande transatlântico
que, rasgando o tafetá verde das águas,
te leva para além!
O que eu não queria ter
é o destino dos que ficam
com ânsia
e vontade
de  partirem também.

O destino dos que ficam, à espera de um amor
que partiu... e que talvez
nunca volte... Nunca mais!
O destino dos que ficam mergulhados na dor.
O destino dos que ficam
mendigos de ideais!

Eu queria ser como esses grandes transatlânticos
que nem pensam no destino dos irmãos que naufragaram!
Eu queria ter o destino dos navios
que jamais compreenderão o destino dos que se foram...
e que jamais compreenderão o destino dos que ficaram...

Maceió, 1933.
Publicada no jornal A BATALHA, RJ, 22 de abril de 1933.
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=175102&PagFis=7317

....................

QUANTO PARTIRES
                        A ti, que foste o meu sonho mais lindo.

                                   Lygia Menezes
                                                         
Donde nos veio, Amor, tanta loucura?
Donde nos veio tanto desatino?
Foi o destino que fez o nosso amor?
Ou foi o amor que fez nosso destino?

E assim, enfim, quando tu partires
Uma enorme tristeza — ó meu Amor —
(dizer quem há-de?)
Envolverá a minha vida num véu roxo da saudade...

E, nesse dia, quando tu partires...
Tu partires...
A minha grande dor jamais se acalma!
Contigo irá também minha alegria...
Minha esperança...
Meu sonho...
E minh’alma...
.................................

                    TU
                          A ti, que és este próprio poema.

Tu foste a ilusão e a beleza
Que fez o meu destino assim risonho.
E foste, sem saber, toda a grandeza...
Toda a grandeza...
Do meu sonho.

Tu foste, na loucura de um momento,
O meu êxtase, a minha glória e o meu ardor.
E foste o maior deslumbramento...
O maior deslumbramento...
Do meu amor.

Tu foste o meu desejo transformado
Numa carícia muito longa e comovida.
Tu foste o meu crime... e o meu castigo...
Tu foste o meu amor...
E a minha vida!
................
Estes dois poemas foram publicados no jornal CORREIO DA MANHÃ, Rio de Janeiro, em 16 de abril de 1933. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=089842_04&pesq=ligia%20menezes&pasta=ano%20193
..............................


                                     REVISTA DA SEMANA, RJ, 22  de abril de 1933.



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JOÃO BARAFUNDA



João Francisco Coelho Cavalcanti, advogado e poeta.
(São Luiz do Quitunde-AL,1874 – Rio de Janeiro, 1938). Filho do poeta satírico Joaquim da Cunha Cavalcanti e de Belmira de Alcântara Menezes Cavalcanti. Bacharelou-se em direito pela Faculdade do Recife. Poeta satírico, seus versos e modinhas eram cantados pelo interior do Estado, sendo entre as modinhas a mais popular aquela denominada Genura. Teve uma vida errante e cheia de aventuras, vagando por alagoas, até ser ameaçado de morte por causa de sátiras violentas. Exerceu advocacia e foi Juiz de direito em Passo Fundo (RS), de onde saiu por razões políticas, e refugiando-se em Rivera, Uruguai. Jornalista no Amazonas. Internado no Hospício da Praia da Saudade, em 1923, no Rio de Janeiro. Espírito altamente independente de zombeteiro panfletário. Pseudônimos: Amália Peitiguary e coelho Cavalcanti. Obras: Ouro de Lei, 1918; Carola Maluca, Rio de Janeiro, 1919 (prosa); Pontas de fogo, Rio de Janeiro, 1922 (crônicas); Gigantes e Pigmeus. Colaborou no Correio do Povo, em Porto Alegre e em O Momento. Fonte: ABC DAS ALAGOAS. Francisco Reynaldo Amorim de Barros.



                ROSA
                              João Barafunda

Como um botão de rosa despontando
era assim Rosa — meu primeiro amor;
passava às rosas seu perfume dando
e dando às rosas sua rósea cor.

Quando Rosa morreu, todos, chorando,
rosas puseram no caixão (que dor!)
E as rosas forma pálidas ficando,
ficando triste como a extinta flor.

E foi-se a rosa de meu coração...
Porque fugiste, amor puro e perfeito?
Porque morreste, flor inda em botão?

Tu, que foste rainha das formosas
flores, hás de viver sempre em meu peito.
Tens em meu peito um túmulo de rosas.

...................

Publicado no jornal O MERCÚRIO, Rio de Janeiro,
1º de dezembro de 1898.



                 O ADRO

                                              João Barafunda

Branca e de preto, altiva e deslumbrante
No adro apareceu;
E à sua passagem triunfante
Inclinaram-se todos, menos eu.

Tinha do sol a cor em seus cabelos,
Nos olhos tinha a cor azul do céu;
Seus celestes olhares merecê-los
Todos imaginaram, menos eu.

Branca e de preto, altiva e deslumbrante
Qual uma réstia desapareceu...
Todos, tranquilos, desde aquele instante,
Esqueceram-se dela, menos eu.

¹ Publicada no jornal Correio do Norte, Manaus, 21/01/1911. Disponível em:



                    ÁRVORE ANTIGA

Amália Peitiguary³


Esta árvore que vês, já desfolhada,
Pobre, batida pelo tempo, outrora
Guardou muitos segredos e adorada
Foi, como aquela que acolá vigora.

E, sem receio, a ela a passarada
Que trina ao longe, que a despreza agora,
Seus ninhos confiou. Árvore, coitada,
És velha triste, ninguém mais te adora!

Meu coração também, outrora cheio
De sonhares gentis, alimentado
Por um constante e amoroso enleio,

Como tu vive triste desprezado,
E nele eu hoje tristemente leio
A mesma sina tua, o mesmo estado.

_____________
Publicado no jornal A ESTAÇÃO, Recife, 15 de junho de 1893.
Disponível em:



               CROMO

                      Amália Peitiguary

Na roça, numa casinha
que fica à beira da estrada,
forte e doida meninada
canta e dança a Cirandinha.

Não quero mais esta dança
diz uma e, daí a pouco,
vem toando uma voz mansa:
a paca comendo côco...

E um velho que, paciente,
contempla o bando inocente
na folia aos trambulhões.

Baixando a cabeça, chora
a bela vida e outrora,
o tempo das ilusões!
.....................
Publicada no jornal A ESTAÇÃO, Recife,
15 de abril de 1894. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=709816&PagFis=4489


À MINHA MÃE

           Coelho Cavalcanti

Nunca me esqueço, ó mãe, esse medonho
Dia em que a morte a levou consigo;
E a tua ausência me parece um sonho,
Sonho que me atormenta e que em bendigo.

Morta do meu amor eu te suponho
Sempre ao meu lado, e sei que em seu jazigo
— Branco horizonte em que meus olhos ponho —
Levas as noites a sonhar comigo.

Vejo seguir-me o teu perfil bendito
E ouço falar-me a tua voz, aquelas
Coisas, que me dizias recordando.

E, à noite, quando nas alturas fito
O olhar, parece que me estás olhando
Pelos olhos de prata das estrelas.

......................
Publicado no jornal CORREIO DO NORTE, Manaus,
20 de junho de 1909.
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=228095&PagFis=617

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MORENO BRANDÃO

             TARDE SERTANEJA

Moreno Brandão.

Declina o dia... Sobre a sáxea grimpa
De um serro azul, o purpurino disco
Do sol flameja e volta ao rude aprisco
Das ovelhas o armento. A clara e limpa

Toalha branca de estuário liso
Encrespa o vento... E na casinha as contas
Ao rosário discorre num sorriso
Uma ovelhinha. Prevalecem tontas

As mudas trevas de um negror funéreo...
E enquanto a rechinar os carros descem
Nas encostas de acerba asperidade,

Tomba-me n’alma o peso de um mistério,
E ao livor do crepúsculo recrescem
As sombras da tristeza e da saudade.
____________
Publicado no jornal Correio do Norte, Manaus, 28 de maio de 1911.


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JORGE DE LIMA


O VELHO TEMA - A SAUDADE

                                                               Jorge de Lima

Quem não a canta? Quem? Quem não a canta e sente?
- Chama que já passou, mas que assim mesmo é chama...
A saudade, eu a sinto infinda, confidente
Que de longe me acena e me fascina a chama...

Mágoa de todo o mundo e que tem toda a gente,
Uns sorrisos de mãe... uns sorrisos de dama...
... Um segredo de amor que se desfaz e mente...
Quem não os teve? Quem? Quem não os teve e os ama?

Olhos postos ao léu altivagos, à toa,
Quantas vezes tu mesmo, a cismar, de repente
Se ficasse gozando uma saudade boa?

Se vês que em teu passado uma saudade adeja,
- Faze que uma saudade a ti seja o presente!
- Faze que tua morte uma saudade seja!

______________
Publicado no jornal A ÉPOCA, Caxias do Sul-RS, em
31 de maio de 1953.


EPICYCLO

Jorge de Lima

         (Ao grande espírito de Afrânio Peixoto)

Alma, sê forte; corpo, sê robusto!
Nesse conflito atávico e instintivo
Sê como o gênio que possante e altivo
Constrói antes de morte o próprio busto!

Refreia o teu instinto e o doma a custo
Da dor — da grande dor de seres vivo...
Eu quero! — esse presente indicativo
Octávio a conjugá-lo fez-se Augusto...

Mas nunca concretizes teu ideal!
Um ideal realizado é um transparente
Fruto que ao ser provado sabe mal!

O artista é comoo Errático do mito:
Onde pensa que é o fim, surge-lhe à frente
A estrada interminável do infinito!

_________
Publicado no Jornal das Moças, nº 94 - 1916


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DAMASCENO RIBEIRO



Encontrei no jornal O PAIZ, Rio de Janeiro, edição de 30 de setembro de 1898, a seguinte nota:

Alves Faria, que está juiz de direito em Gararu (Sergipe), apresentou-me, epistolarmente, um poeta que encontrou naquelas paragens. “Simples, ingênuo – diz ele – com uma tendência a Bernardim Ribeiro¹, que adora; ou a qualquer outro menestrel de Dona Tristeza, castelã formosíssima, que estonteia com filtros estranhos os poetas da nova geração”.
Eis aqui as belas quintilhas que acompanham a carta:

                 FRAGMENTOS

“Tudo o que vejo parece
triste da minha tristeza...”
                                               Bernardim Ribeiro

Bem pudera eu me ter ido
Quando ainda era inocente,
E não ter assim vivido
Tão contínua e cruelmente
Da desdita perseguido.

Esta vida, em vez de encantos,
Só dissabores contém,
Pois com golpes tantos, tantos,
A mim me ferido tem,
Que me cerca um mar de prantos.

Pobre de mim a quem, triste,
Secreto mal vai minando.
Um resto que ainda persiste
De vida que está minguando,
Que só de mágoas consiste.

Aonde irei eu dar assim?
Por onde parar, quem sabe?
Se os meus males não têm fim?
Pois bem sei que só me cabe
O que os outros deixam prá mim!

Em cada dia, um tormento,
Que mais me parece a morte...
Só um dia um mal não lamento,
São vaivens da triste sorte
Que hão de vir e vão com o vento.
__________
Damasceno Ribeiro_1893

“A arte é um grande rio marulhoso, que espadana espumas de poemas, escreve Alves de Faria; mas como todo o rio tem remansos tranquilos, sejam os Fragmentos um tranquilo remanso.”
Damasceno Ribeiro² é alagoano. Frequentou, nesta capital, a Academia de Belas Artes, onde chegou a receber um prêmio. Desgostoso, abandonou a pintura.

A.    A.

___________
¹ Escritor português supostamente nascido no Alentejo, em 1482.
² João Vieira Damasceno Ribeiro nasceu em Pão de Açúcar no dia 29 de agosto de 1861. Tendo feito curso de Humanidades no Rio de Janeiro, exerceu brilhantemente e por muitos anos a função de Promotor Público. Foi também próspero fazendeiro. Proprietário da Fazenda Pau Ferro, notabilizou-se com precursor da prática da irrigação em nosso Município, inaugurando, no dia 10 de março de 1910, uma bomba com capacidade para 2.700 litros/minuto.
Faleceu em 26 de julho de 1935. Fonte: PÃO DE AÇÚCAR, CEM ANOS DE POESIA, coletânea de poemas de pão-de-açucarenses organizada por Etevaldo Amorim, 1999.

Damasceno Ribeiro

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SILVESTRE PÉRICLES


A QUE DEIXA POSTERIDADE

Silvestre Péricles de Góes Monteiro


Quando contemplo as rugas do teu rosto,
fico-me triste e evoco os tempos idos:
a casa do “Guindaste” num sol posto...
e meu pai que se foi entre gemidos...

Nove filhos, porém, no teu desgosto,
foram fanais ou sonhos redimidos.
Nos embates da vida tens composto
os poemas dos amores mais queridos.

Se – filha, irmã e esposa – foste reta,
guiou-te sempre esse materno enleio,
que floriu na tua alma predileta.

Mãe! As ruína dos anos, posso vê-las:
sou agora pequeno no teu seio
e as tuas rugas brilham como estrelas.

________
Publicado no jornal A MANHÃ – Suplemento. Rio de Janeiro, 11 de julho de 1948. Dedicado a sua mãe, Constança Cavalcante de Góes Monteiro.
Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=331155&PagFis=103
________

NUVEM DE AMOR

           Silvestre Péricles

Passaste como nuvem cor de rosa
no firmamento azul, em horas mansas.
Da graça, comovida e luminosa,
retrataste a doçura das lembranças.

E conduziste os sonhos meus, formosa,
e a centelha de afeto, em que descansas.
Talvez sejas feliz ou inditosa,
Tu, que levaste as minhas esperanças.

Fico-me só. Sozinho, e suave, e triste...
Mas, neste peito, há vibrações sadias
do que foi, e será, e agora existe...

Cardos e flores, com que o ser se junca,
resultam, pela vida, em harmonias,
se o amor, no coração, não morre nunca.
____________
Publicado em REVISTA DA SEMANA, RJ,
3 de maio de 1952. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=025909_05&PagFis=4827


Silvestre Péricles entre Arnaldo Jambo e Deraldo Campos. Arquivo de Geraldo de Majella.

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LÊDO IVO




                SONETO 
(a Fernando Ferreira de Loanda)

                                                  Lêdo Ivo¹

À doce sombra dos cancioneiros
em plena juventude eu me abrigo.
Estou farto do tempo, e não consigo
cantar solenemente os derradeiros.

Versos de minha vida, que os primeiros
foram cantados já, mas sem o antigo
acento de pureza ou de perigo
de eternos cantos, nunca passageiros.

Sôbolos rios que cantando vão
a lírica imortal do degredado
que, estando em Babilônia, quer Sião

Irei, levando uma mulher comigo.
E serei, mergulhado no passado,
cada vez mais moderno e mais antigo
____________________

 Poema publicado no suplemento dominical do
   jornal carioca A MANHÃ, em 10 de março de 1946.
   Disponível em: memória.br.br



¹ Ledo Ivo, poeta alagoano nascido em Maceió
   Em 18 de fevereiro de 1924.

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ARISTHEO DE ANDRADE



O SINO

                          Aristheo de Andrade¹

Meu coração é como um velho sino
De uma Ermida de aldeia no abandono,
Dobra num som amargurado e fino,
Numa tristeza vesperal, de Outono.

Outr’ora era risonho e cristalino
De sua vez o harmonioso intono,
E hoje canta ao delíquio vespertino
A sinfonia do Supremo Sono!

Muitas vezes das auras do Passado
Uma lufada rígida passando
Fá-lo vibrar de um modo apaixonado

Em largas notas pueris e quando
Se ecoa o turbilhão, pelo ar magoado
Ficam por tempos trêmulos vibrando!...
_____________
Fonte: jornal Cidade do Rio, 15/09/1899.
Disponível em: www.bn.br.
____________
¹  Manoel Aristheo Goulart de Andrade, alagoano, era irmão do acadêmico J. M. Goulart de Andrade. Faleceu em Maceió, a 9 de julho de 1907, com 27 anos de idade.

                                                   Fonte: Almanak Brasileiro Garnier, 1907.

Av. Aristheo de Andrade (1927) onde se localizam, por exemplo, o Colégio Batista alagoano - direita, e a TV Gazeta de Alagoas - esque


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ROSÁLIA SANDOVAL


Rosália Sandoval, Pseudônimo de Rita de Abreu. Maceió (AL), 1876.
Rio de Janeiro (RJ), 1956.



       EM PLENO AZUL

                          Rosália Sandoval

Ei-las que vão as minhas fantasias
como um bando de pombos voejando
por cima do oceano. E vão cantando
o hino triunfal das alegrias.

Azulam fora, as asas espalmando,
cantando o encanto de passados dias,
trocam as confidências. Que harmonia,
vão pelo espaço cavatinejando!

Vai, sonho atomal, meu pensamento.
Formosas ilusões soltas ao vento,
fantasias azuis... voai!... voai!...

Oh, sonhos, reflori. Voltai quimeras,
A alma é o pouso dessas primaveras...
Voltai ao coração! Voltai! Voltai!

_______
Publicado no jornal O VADIO,
Penedo, 2 de abril de 1911.
Disponível em memoria.bn.br

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        MINHA ESTRELA

                                  Rosália Sandoval

Feliz que tem o céu, por desfastio
uma estrelinha amiga confidente,
com quem conversa à noite, mentalmente,
alguma coisa de um matiz sombrio.

E como a fonte em dúlcido arrepio,
quando favônio sopra mansamente,
essa estrela sentinela docemente
e como que responde com amavio...

alguma coisa que nos enternece,
— uns laivos de lembrança ou de amizade —
alguma coisa terna como a prece...

Onde estás, minha estrela, oh! Flor do Estio? ...
Ah! Não ouve o gemer dessa saudade!!...
Debalde busco-a pelo céu vazio!

______
Publicado no jornal O EVOLUCIONISTA,
Maceió, 2 de setembro de 1905.
Disponível em memoria.bn.br

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                A LINHA
(ao ilustre pinto alagoano Carlos Leão)

                               Rosália Sandoval

A linha é o contorno, a forma... O apuro
da linha é o desespero dos artistas.
É a glória do lápis. Coloristas
sonham-na um grácil num contorno puro.

É a alma do perfil. No quadro escuro
dos quadros de valor, os paisagistas
escondem-nas com arte. As linhas mistas
perdem-se ali num traço mal seguro...

E vós, almo pintor das noites claras,
dos campos flóreos e das formas raras,
das velas brancas na amplidão marinha.

A estema d’ouro da sonhada glória
juntai, bem, como símbolo de vitória,
— A vitória da linha.

Rio, abril de 1909.

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Publicado no jornal GAZETA DE NOTÍCIAS,
Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1915.
Disponível em:

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              CARTOMANCIA

                                       Rosália Sandoval

             
Deita as cartas prá mim, bohemia linda
— Disse a mais linda filha de um ricaço —
Não sabes? O meu pai é o “rei do aço”,
o mais rico senhor desta cidade.
Eu te encherei as mãos de grandes notas,
se tu, gitana linda, me disseres
da minha sorte
toda a verdade.

As cartas se cruzam muitas vezes
como, na vida, cruzam-se os revezes
ao olhar perscrutador de um adivinho
.
A Dama de Ouro és tu, disse a bohemia.
O Rei de Ouro é teu pai. Outra figura...
Não veio em teu caminho.

Estende-se em teu mundo interior
um grande sonho
que será luz e será treva em teu viver.
Vejo projetos de altruísmo,
surtos de idealismo...
Porém, te afirmo
que tudo isso te fará sofrer.

Cercam-se as cartas pretas!
Tudo parece cor das violetas...
Não queira mais saber o teu destino.
A moça estremeceu. Mas, resoluta,
Disse: —  Que importa seja a vida grande luta?
Continua a dizer... Não desanimo.

E a cartomante, em voz quase apagada
olhando aquela vida iluminada
pelo ouro...
Tristonha concluiu a profecia:

— Bem cedo acabará tua alegria
pobre bonina apenas desbrochada.
Terás a noite ainda na alvorada...
Serás a flor em breve desprendida
para a tristeza e as lágrimas da vida.

No futuro, terás somente dores,
a desventura em todos os amores...
Ninguém fará cessar os teus gemidos.
Julgarão mal o bem que tu fizeres!
Espinhos te darão por malmequeres...
E morrerás
            Da grande dor dos incompreendidos.

................
Publicado no jornal CORREIO DA MANHÃ, Rio de Janeiro,
21 de outubro de 1934.
Disponível em:
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             CRENTE

                    Rosália Sandoval

Se vos contemplo, oh Cristo macerado,
À fraca luz da vela, o santuário
Parece um céu pequeno e solitário
Onde vagueia nosso olhar magoado.

Eu fito e adoro esse perfil sagrado
A lembrar-me as cenas do Calvário.
Reina em tudo um silêncio mortuário.
Só falta a Dor, oh Lyrio imaculado!

Genuflexa, eu venço essas tristezas!
Atiro para longe as incertezas
E adoro, então, o Amante das crenças.

Oh, meu Jesus, o vosso olhar tão puro
É o guia feliz do meu futuro,
É o porto das minhas esperanças!

_________
Publicado no jornal A Idéia
Pão de Açúcar(AL), 9 de abri de 1911.



BOEMIA

Rosália Sandoval

Loura boemia segue em longa estrada,
Cabelos soltos, bandolim vibrando,
Olhos no espaço, tremula, cantando,
Cantando a mágoa que em seu peito mora.

Pés descalços, o rosto cor da aurora,
Vai pelas ruas todas esmolando...
Esmola? Não. Desde que vai cantando
Recebe o prêmio da arte que enamora.

... Na blusa clara dois remendozinhos
Ocultando a maldade que fizeram
As travessas roseiras do caminho.

Formosa e jovem passa pela vida,
Sem ter os sonhos que seus pais tiveram
Sem amor, sem vaidade, sem guarida!

_________________
Publicado no jornal maranhense Pacotilha,
28 de março de 1917. Disponível em: memória.bn.br.
_________________


                   ASAS

                                Rosália Sandoval

Asas! Oh, asas! Quem me dera tê-las
Fortes, possantes com as dos condores,
Para deixar a terra e os seus horrores,
Para subir acima das estrelas.

Nem um astro sequer fosse detê-las
Nesse impulso de voos promissores
À estância  azul da Luz dos Esplendores...
Asas! Oh, asas! É melhor não tê-las.

Se tivesse-as, um mundo de harmonia
Onde a vida falasse de Ventura,
 De Justiça, de Paz, deu buscaria.

Mas, ah! Se esta ilusão por lá findasse?
Eu quebraria as asas na tortura
De um “ai” que o coração espedaçasse.

_________
Publicado no jornal maranhense PACOTILHA
em 24 de abri de 1915.
_________


                  OLHOS  VERDES

                                Rosália Sandoval

Dentro do mar não há pérolas caras,
Como teus olhos claros verde-mar,
Não os têm tão belos as Nereides raras
                        Dentro do mar.

Dentro da flor, eu penso, há qualquer coisa
Do seu semblante... A doçura, a cor...
Parece que tu’ alma é que repousa
                        Dentro da flor...

Dentro do Verso, oh Iris de bonança,
Eu guardo a graça que tu tens disperso...
A graça desse olhar cor de Espernaça
                        Dentro do Verso.

_________
Publicado no jornal maranhense PACOTILHA
em 18 de janeiro de 1916.
________


              INCÓGNITO MAL

Rosália Sandoval

Desconhecido Mal que vais minando
Meu organismo frágil... Derruindo
As esperanças que me vêm mentindo
E meu corpo do esquife aproximando...

Mais um dia que vai? Que vai o bando
De quimeras, se todas vão partindo?
Se afinal nos não fica um sonho lindo
De tantos sonhos que nos vêm cantando?!

Corrói esta matéria sem valia,
— Prisão grosseira obra de fancaria —
Onde vive a gemer um’ ave exul!

Desconhecido Mal, rompe a cadeia!
Deixa voar minh’ alma — ave que anseia
Soltar as asas no infinito azul!

_____________
Publicado no Almanak Brasileiro Garnier,
Rio de Janeiro, 1910. Disponível em: memoria.bn.br.
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                     ENGANOS

                                    Rosália Sandoval

Nem sempre o riso que se vê no rosto
É a cópia fiel de uma alegria
Quantas vezes uma atroz melancolia
É nuvem plúmbea pelo céu de agosto!

Como esses tons de auroras em sol posto,
Visto as minhas tristezas de alegrias
E, à força de iludir essa agonia,
Consigo debelar o meu desgosto.

Ah! Quantas vezes pelos castos ninhos,
Numa delícia festival, mentida,
Cantam prantos de dor os passarinhos! ...

Eu deito às provações mantos de arminhos
E passo indiferente pela vida,
Cantando entre os abrolhos dos caminhos.

____________
Publicado na Revista da Semana, Rio de Janeiro,
5 de fevereiro de 1905. Disponível em: memória.bn.br.
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Rosália Sandoval, revista Heliópolis, Recife, Julho de 1915.

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J. M. GOULART DE ANDRADE




José Maria Goulart de Andrade (Maceió-AL, 1881/Rio de Janeiro-RJ, 1936). Foto: Bevilaqua, em O Pirralho - Rio de Janeiro, 20/03/1915.

Nascido a 6 de abril de 1881, em Jaraguá (Maceió), Estado de Alagoas, formou-se Engenheiro pela Faculdade do Recife, em 1899. Em 1906, casou-se em primeiras núpcias com D. Luiza de Araújo Lima, enlace de que houve duas filhas: Maria Letícia e Sylvia.   Contraiu segundas núpcias em 1920 com D. Maria Fernandina Xavier, cuja dedicação ao poeta enfermo nos últimos tempos mereceu admiração dos íntimos do casal e teve referências comoventes na Academia de Letras. Goulart de Andrade era membro da Academia Brasileira de Letras desde 1916 em que – como substituto do Almirante Jaceguay – seu ex-diretor na Escola Naval – passou a ocupar a Cadeira nº 6, de que é patrono Casimiro de Abreu, tendo tido como competidor D. Luiz de Bragança; sócio benfeitor da Casa dos Artistas; membro da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro; do Instituto de Geografia de Alagoas; do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe; do Instituto de Arquitetos  do Rio de Janeiro; da Sociedade Heleno-Latina de Roma; da Academia do Amazonas; da Academia do Pará; franciscano da Ordem Terceira dos Mínimos de São Francisco; comendador da Ordem de Santiago de Portugal; oficial da Cruz Belga de Leopoldo II; cavaleiro da Coroa da Itália e cavaleiro da Ordem do Libertador da Venezuela.


J. M. Goulart de Andrade (Illustração Brasileira, julho/1927)

Goulart de Andrade
Foto A NOITE-Suplemento, 05/01/1937.

O poeta e sua segunda esposa Maria Fernandina Xavier
Foto A NOITE-Suplemento, 05/01/1937.



              SONETO

          J. M. Goulart de Andrade¹

Nave de catedral esta alma: — Nela
Outrora silenciosa, ressuscito
Por ti, a adoração de estranho mito...
E o hinário soa, o incenso se enovela!

Enche-a toda de clarões aquela
Macia luz que nos teus olhos fito,
Quando me vês, em teu altar, contrito,
Queimando o coração que se desvela...

Novo surto de vida ora me invade,
E esta alma, quase fria, quase morta,
Vibra de novo em comoção fecunda!

Tão penetrado estou nesta verdade,
Como o silêncio quando um grito o corta,
E a escuridade quando a luz a inunda!
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Publicado no jornal Correio do Norte (Manaus-AM), em 29/07/1910.
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ZEQUINHA GUIMARÃES - BEN GUM

FIM DE FESTA
                            (Para Eraldo)

Bem Gum (Zequinha Guimarães)

A festa está no fim e já sem graça;
O povo, no início tão contente,
Agora vai saindo indiferente,
Quase deserta vai ficando a praça.

Vejo que um par de namorados passa,
Conservando baixinho, sorridente;
E um ébrio, falando impertinente,
Deixa no ar seu bafo de cachaça.

O tempo corre. A vida é sempre assim...
De quase tudo a parte triste é o fim,
Pois de prazer no fim bem pouco resta.

E, velho, com a cabeça encanecida,
A cada instante vejo que minha vida
É a cópia fiel dum fim de festa.

____
Pão de Açúcar, 1º de janeiro de 1956, 1 horas da manhã.


CIDADE

Bem Gum¹

Cidade, colmeia humana, aonde o luxo e o prazer
Têm lugar de desdém para a miséria e a fome.
Aonde, ao relento, dorme o pária sem pão, sem nome,
E o nababo indolente tem sereno adormecer.

Cidade, centro onde a honra caminha prá fenecer,
Dominada pelo vício, que aos poucos lhe carcome,
Cidade, onde o proletário, na fábrica, se consome,
Para mais o argentário subir e enriquecer.

Cidade, ruas festivas, igrejas e lupanares,
Pináculos de arranha-céus, dispersos, cruzando os ares,
E casebres, moradias do pequeno, do ninguém.

Cidade, luz, vaidade, encantamento, alegria,
Amor, desprezo, miséria, ingratidão, nostalgia,
Cidade, berço do riso e da lágrima também.

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¹ Pseudônimo de Zequinha Guimarães (José Mendes Guimarães – Pão de Açúcar-AL, 25/09/1899-21/02/1968)
....................................................................

TRISTEZA DOS MORCEGOS

Bem Gum¹

De rubra cor a aurora se pintava
Anunciando o dia a amanhecer;
E o mundo parecia entristecer
Na hora que o dia despontava.

A natureza aos poucos desmaiava;
A noite lentamente ia morrer;
E o sol, que começava a aparecer,
O mundo de tristezas inundava.

Findava para nós toda alegria.
Envoltos por tanta nostalgia,
Ficávamos inertes, quase cegos.

(Estes versos sentidos descobri
Quando, sem ter o que fazer, eu li
Um poema escrito por morcegos.)

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¹ Pseudônimo de Zequinha Guimarães.

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JOVINO DA LUZ




O SÃO FRANCISCO A SONHAR

Jovino da Luz¹

Era noite! O São Francisco,
Dormindo e manso a sonhar,
Entre os beijos d’uma brisa,
Ao sorriso d’um luar!
As estrelas lhe sorriam,
Os aromas o envolviam!
E eu dizia, então:
“Como é belo quando dorme
O gigante rio enorme
Nestas plagas do sertão!”

................

Era belo ver-se o rio
Venturoso assim dormir,
Entre flores trescalando,
Entre belas a sorrir!
Oh! Lembro-me dessa cena,
Grandiosa e tão serena
Como um riso p’raisal!
Cena tocante e sublime
Que um poeta não exprime
E só diz: - “Não tinha igual!”
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¹ Jovino Pereira da Luz, nasceu em Pão de Açúcar, Alagoas, em 28/06/1855 e faleceu em 28/04/1908.

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MARCUS VINÍCIUS





ALEXANDRINO MESCLADO

Marcus Vinícius

Achei que minha vida machucou-me tanto,
Que corri com medo para não sentir a dor;
E chorava, chorava com medo do meu pranto
E o meu pranto, com medo, só tinha desamor...
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(Bar Gracy, madrugada de 26/07/1975, do livro
Pão de Açúcar – Cem Anos de Poesia)

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JUDAS ISGOROGOTA


Judas Isgorogota. Foto do acervo do seu neto Herman Fonseca de Melo.

¹Pseudônimo de Agnelo Rodrigues de Melo, poeta e Jornalista brasileiro. Nasceu em Lagoa da Canoa, Alagoas em 15 de setembro de 1901. Viveu em Maceió, mudou-se aos 23 anos para o Rio de Janeiro e depois para São Paulo onde ganhou projeção internacional e veio a falecer em 1979. Publicou 15 livros de poesias, uma novela e cinco de poesias infantis. Parte de sua obra poética traduzida para vários idiomas (francês, inglês, alemão, espanhol, italiano, húngaro, árabe, checo e lituano). Com toda essa bagagem é quase um desconhecido em sua terra.


                  O HERÓI

                              Judas Isgorogota¹

"— Papai, o que é um herói?
Eu pergunto por que tenho grande vontade
De ser herói também ...
Será que posso ser herói sem entrar numa guerra?
Será que posso ser herói sem odiar os homens
E sem matar alguém?"

O homem, que já sofrera as mais fundas angústias
E as mais feias misérias,
Trabalhando a aridez de uma terra infecunda
Para que não faltasse o pão no pequenino lar;

O homem, que as mais humildes ilusões perdera
No seu cotidiano e ingrato labutar;
Aquele homem, ao ouvir a pergunta do filho:
— "Papai, o que é um herói?"
Nada soube dizer, nada pôde explicar...

Tomou de uma peneira
E cantando saiu, outra vez, a semear!

* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *
Dedico a meu saudoso pai (Agnelo Tavares Amorim), falecido em 23/07/2002. Humilde agricultor, não tendo muito a me deixar em bens materiais, deu-me por herança o que de mais precioso tenho.
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¹ Pseudônimo de Agnelo Rodrigues de Melo, poeta e Jornalista brasileiro. Nasceu em Lagoa da Canoa, Alagoas em 15 de setembro de 1901. Viveu em Maceió, mudou-se aos 23 anos para o Rio de Janeiro e depois para São Paulo onde ganhou projeção internacional e veio a falecer em 1979. Era casado com Nazira César de Melo, com que teve uma filha chamada Rima, nascida em São Paulo, a 24 de outubro de 1934. Publicou 15 livros de poesias, uma novela e cinco de poesias infantis. Parte de sua obra poética traduzida para vários idiomas (francês, inglês, alemão, espanhol, italiano, húngaro, árabe, checo e lituano). Com toda essa bagagem é quase um desconhecido em sua terra. O poeta teve uma filha à qual deu o nome de Rima Augusta.
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               BEBEDOURO

                                Judas Isgorogota

Na Manguaba tranquila uma canoa
Dança lá em baixo: lá em cima, a lua
Põe pó de arroz na face da lagoa...
Junto às margens, o mangue; após, a rua.

E a choupana humilde, a tabaroa,
Rica de sonhos na pobreza sua...
Depois, alguém; e nesse alguém um choro
Silencioso lhe molhando o olhar.

O alguém sou eu; a terra é Bebedouro...
Desconversemos... não convém lembrar.
.....................
Publicada no jornal CORREIO PAULISTANO,
São Paulo, 24 de abril de 1938.
Disponível em:

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 MÃE

                        Judas Isgorogota¹

Tu serás mãe; tua alma, como um lírio,
Se abrirá para o amor, belo e fecundo,
E cantarás, num divinal delírio.

Ao teu amor vota um amor profundo,
Capaz de transformar o teu martírio
Na alegria maior que haja no mundo!

Sofrerás, sendo mãe; mas, a mais bela
Consolação do alto dos céus terás:


- Viverás noutras vidas e, mais ainda
Mesmo depois de morta, viverás!

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                 RECOMENDAÇÕES

                                       Judas Isgorogota

E se acaso você for à minha choupana
E minha mãe disser: — Como vai o meu filho?
Será que ele vai bem ou será que me engana?
Você não vá falar que eu ando assim maltrapilho,
Mas lhe diga a sorrir: — Fique a senhora em paz,
Ele vence brincando o maior empecilho.

Está outro! Ninguém o reconhece mais!

Se minha irmã disser: — Como vai o meu mano?
Ele é muito falado? Ele é muito querido?
E será que ainda vem para casa este ano?
Você não vá tocar no que tenho sofrido,
Mas lhe diga a sorrir: — O seu mano é um rapaz
Que tem prêmios de amor e glória recebido.

Está outro! Ninguém o reconhece mais!

Entretanto, se você chegar até a casa
De onde um dia saí cambaleante e mudo
— Ave que cai do azul com uma ferida na asa —
E uma voz lhe disser, branda como um veludo:
— Como vai o meu noivo? (ouça bem, meu rapaz...)
Diga-lhe apenas isto, ela compreende tudo:

Está outro! Ninguém o reconhece mais!

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          A NOTÍCIA

                                     Judas Isgorogota

Mano,

Não calcula você como está transformado
Tudo aqui.
Às vezes tenho até de mim mesmo indagado
Se tudo não será mais bonito que ai...
Eu bem sei que me engano.
De certo não será; não será, pois se fosse
Já teria você voltado ao seu rincão.
Mesmo assim acredito
Que se o mundo daí é mais bonito
Não poderá, no entanto, ser mais doce
Ao seu bondoso coração
De irmão...

Olhe aqui: a Bibi de quando em vez me fala
De você.
E eu não se porque após, tristíssima, ela se cala.
Não sei, não sei porque...
Ah, como está bonito o jardim cá de casa!
A parreira cresceu
Apesar de viver sob este céu de brasa
A roseira está mais alta do que eu!
A laranjeira está coberta de asas louras,
Asas que vivem lhe fazendo festa...
Mais feliz do que eu...
Mais feliz, digo mal; nenhuma laranjeira,
Nenhuma árvore, enfim, da mais verde floresta
Que exulte em florações belas e duradouras
Ou que tenha por trono a mais linda clareira,
Poderá ser feliz como quem já sofreu!

E os cravos, os jasmins... nestes últimos dias
Não podendo sair a passeio, contente,
Fico em casa a ouvir as cantigas suaves
Dos pássaros beijando o jasmineiro em flor.
Só agora é que sei que é o amor tão somente
Quem tece aquelas doces melodias
E ainda as penas trêfegas das aves...
Só agora é que sei que tudo aquilo é amor...

Meu irmão, ao depois que você foi embora
Tudo mudou...
A mamãe está boa, o papai com saúde,
E o seu trabalho agora
Já não é tão pesado nem tão rude...
A casa inteira, enfim, se transformou!
O silêncio é completo. Aquela meninada
Com a qual você, quando escrevia,
Sempre implicava solenemente,
Hoje em dia,
Muito embora não lhe fizesse nada,
Não me procura como antigamente...

Adeus, escreva sempre. O papai o abençoa
Manda um beijo a mamãe. Como ela é boa...
Como tem resistido à vida que lhe dou...
É ela quem está esta carta escrevendo,
Esta carta que irá, através da distância
Dar-lhe a nossa saudade...

Ah! Ia-me esquecendo
De uma coisa, afinal, de pequena importância:

— Mano, a paralisia me atacou...

.........................
Retirado do artigo de Claudionor Ribeiro, publicada no jornal
DIÁRIO DA MANHÃ, 14 de outubro de 1937.

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JOSÉ PAULO DA SILVA FERREIRA




José Paulo da Silva Ferreira, poeta nascido a 29 de junho de 1962, em Pão de Açúcar-AL.


A INCRÍVEL PRISÃO DE RUI DE CASTRO

José Paulo da Silva Ferreira

Numa cidade pequena,
as moscas estão muito próximas das pessoas.
Rui não está embriagado no bar central,
com os olhos de molho no copo seco,
molhado de espuma seca,
ouvindo músicas ao violão deserdado de Etênio,
o ex-hippie, porque Rui está em casa
com os olhos molhados, enfiados num livro sem fim .
E, se acaba, botam-lhe outro entre as mãos e o cérebro,
um pouco ante os olhos molhados
de alguma coisa feito solidão.

Rui não está na calçada da igreja local,
ouvindo as taras da juventude local,
entre umas pernas e outras das moças passando
após as conversas com o padre,
morrendo de medo das moças fantasiadas
morrendo donzelo, culpado,
enviando-se na alta calçada de cimento
querendo sumir por baixo da porta.

Rui não está lá, nem na porta da farmácia,
onde velhos e novos fazendeiros contam os bezerros
vacinados ontem por medo da febre aftosa
e vomitaria nas botas novas dos senhores proprietários
porque Rui de Castro está em casa,
sem peito para nada, sem jeito para nada.

Rui de Castro não passeia pelas ruas pequenas,
malfeitas, porém belas,
por simples horror dos cumprimentos efusivos
ou não efusivos.
Basta apenas um alô para desconsertá-lo
e pô-lo em fuga dolorida, a alma exposta pelo avesso ;
assim, ultra-sensível ao vento dos lábios
de quem quer que seja mais.
Ele era um rapaz da cultura ou contracultura;
aprendeu inglês ouvindo os Beatles mas,
eu não sei quando nem como,
alguma coisa de humano se perdeu e mora, cara,
numa cidade tão mínima cabendo toda neste poema.

E Rui nunca mais foi ao rio porque Rui, há muito tempo,
é um rio correndo inexorável para dentro do mar,
com a desvantagem de ser um rio sem margem.
*** ***
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VINÍCIUS LIGIANUS



   
            MÃE

                                        Vinícius Ligianus¹

Mãe, querida mãe, quão fraca é a pena
Prá dizer-te o que sinto dentro d’alma;
Roga a Deus, lá no céu, mansão amena,
Que me dê, neste transe, alguma calma.

Já não tenho o sorriso e a paz serena;
Tudo voou contigo e além se espalma;
Ai! Que não vejas de lá a triste cena
Dessa procela que não mais se acalma.

Porque, se vires minha desventura,
Quanta tristeza tu não sentirias
De ver-me assim carpindo tanta agrura.

Minha esperança e minhas alegrias
Depositei na mesma sepultura,
No mesmo leito, oh! Mãe, em que jazias.

¹ Pseudônimo de Antônio de Freitas Machado.
_________
Do livro MONOGRAFIA DE PÃO DE AÇÚCAR.
Aldemar de Mendonça, 1977.
Editado em 2010.

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BRÁULIO CAVALCANTE


Bráulio Cavalcante.


Nasceu em Pão de Açúcar-AL, no dia 14 de março de 1887, na casa nº 23 da rua da Matriz (hoje Avenida Bráulio Cavalcante, nº 209), falecendo em 10 de março de 1912, na Praça dos Martírios, em Maceió, de um ferimento penetrante na linha axilar posterior direita, no quarto intercostal, recebido quando realizava um comício em prol das candidaturas do Cel. Clodoaldo da Fonseca e do Dr. Fernandes Lima.






TUFÃO

Bráulio Cavalcante

Sangrento, lasso, moribundo, rola
Nas escarpas do poente, o sol... Infinda
Mágoa amortece a cândida corola,
Que fora muito aprimorada e linda.

Tange um campônio umas canções à viola.
Canta, da noite, a pesarosa vinda...
E o sol, não mais com seu ardor, desola
E bruxuleia e tomba e desce e finda!...

E, de repente, o céu se obumbra... Então
As nuvens atrás, a ranger descerra
Com hercúleos braços, rígido tufão.

E, após, em roucas contorções noturnas,
Quer rebentar de meio a meio a terra,
Estortegando-se ao grilhão das furnas!

(publicado no jornal pão-de-açucarense

A VOZ DO SERTÃO-09/12/1906)

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NO SERTÃO
Bráulio Cavalcante

Dia cálido. O sol rútilo ateia,
Cauterizando inexoravelmente...
Ao pé do monte ferve uma corrente
Sobre o lençol da branca e fina areia.

As aves estonteadas lentamente
Vão baixando, baixando... Triste, anseia
A boiada sedenta à margem cheia
Das flamâncias que o sol despede ardente...

Em pálio arfando no alto, o céu além...
Flamímero mormaço irado medra
Nas arsenias ferinas, do céu vem,

E, pelo monte combusto, solitário,
No incêndio rola a vir, de pedra em pedra,
Rachando, ardendo os veios de calcário!...



_____________
Publicado no jornal pão-de-açucarense
A VOZ DO SERTÃO, em 25.11.1906.


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PULVIS... PULVIS...

Bráulio Cavalcante

A Cidade do Amor, grande Cidade
Dos Sonhos Áureos e dos Róseos Sonhos
- Erma tapera negra da saudade
Hoje sepulta os dias meus tristonhos...

E quando a poeira todo o céu invade
E os ventos passam lúgubres, medonhos,
Faz pena ver-se a desditosa Hellade
Dos Sonhos-Áureos e dos Róseos Sonhos! ...

Não saem mais aqui mil harmonias...
Nos braços do sombrio Desalento
Aqui dormem Saudades, Nostalgias...

Dos Palácios da Fé, nos solitários,
Tristes escombros, descem pelo vento...
A procissão dos mochos e dos sáurios...

_______________
O Monitor, Penedo, 15 de março de 1909.
Disponível em:

********************************

UMBRARUM TERRORES

Bráulio Cavalcante

Meia-noite! Nos bronzes: - Meia-noite!
E, medroso, caminho pela rua...
- Por mais, - diz um fantasma – que se afoite
Esse pobre mortal, treme, recua! ...

E o vento em rijo, demorado açoite,
Passa ganindo na ironia sua...
Meia-noite! Nos bronzes: - Meia-noite!
E o meu passo medroso continua...

Trêmulo encontro os mausoléus do medo,
Vejo avenidas lúridas e místicas
Como quem viaja dentro de um segredo...

E pesa-me sóbria pelos ombros,
Em danças macabras, cabalísticas,
Fera legião de lôbregos assombros! ...

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Publicado em O Monitor, Penedo, 24 de maio de 1909.
Disponível em:

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ODE A ALAGOAS


Terra verde, feliz, aberta em flores, cheia
Dos lagos de alumínio e verdes coqueirais!
Terra, onde o São Francisco majestoso ondeia
E Paulo Afonso atroa mil fanfarras reais!
Terra que eu amo tanto,
Levante-te, por fim, do horror da oligarquia!
Enxuga o imenso pranto!
E varre a tirania!

Expulsa do teu seio a gente que te explora,
Quebra por uma vez os gélidos grilhões!
Ouve que a Marselhesa é a trompa que canglora
Em todo o seio teu, dentro das multidões!
Não mais o vandalismo!
Surge estóica, viril, oh terra dos Palmares.
Acaba o servilismo
Dos campos e dos mares!

Tu viste Coelho um dia antever teus arcanos,
E um dia separada a Pernambuco tu és!
Treze de maio vem! Tu venceste os tiranos
Que escravos tinham mil, ao peso das polés.
E, em festivos alegres,
Alagoas tu deste, em cívicos arrancos,
- A Liberdade aos negros,
- A Liberdade aos brancos.

Alagoas! Mandaste ás terras paraguaias
Fonsecas imortais! E tu mandaste, empós,
Aos Conselheiros cruéis dentre as verdes tocaias,
Uma parte de ti, uma parte de nós!
- E como agora a algema?
Faze a libertação final, oh, minha terra,
- Uma luta suprema,
- A derradeira guerra!

Vida nova feliz! Ano da Liberdade!
912 trouxe-te do azul,
Era de paz, de amor e de felicidade,
- Linda estrela que tu és do Cruzeiro do Sul!
- Ave, quadra ditosa!
Ave, quadra que vens cheia de glórias mil!
- Ave, Pátria formosa,
A mais formosa que és da Pátria do Brasil!

Janeiro de 1912
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ELYSIO DE CARVALHO


Foto: jornal RUA DO OUVIDOR, RJ, 21 de junho de 1899. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=341398&PagFis=21.


Filho de Frederico de Carvalho, nasceu em Penedo no dia 29 de janeiro de 1880, onde aprendeu as primeiras letras e teve acesso às primeiras leituras, o suficiente para achar o ambiente mesquinho, pequeno para suas ambições intelectuais. A cidade, no entanto, acolhe a intensidade com que participa da vida intelectual e assiste sua primeira experiência como fundador de periódicos. Ali faz teatro, funda bibliotecas, escreve para vários jornais do estado, assinando com pseudônimos: “El Caro” e “Carvalho Brown”; e, sobretudo, funda o jornal literário Don Juan.Aos doze anos é mandado para o seminário de Olinda, onde estudou por mais três anos e assistiu ao que chamou de "a encapotada hipocrisia fradesca". Volta então para Maceió para concluir, já em 1895, o curso de Humanidades no Lyceu Alagoano, passando a dedicar-se ao magistério.Finalmente, em primeiro de abril de 1897, Elysio de Carvalho desembarca no Rio de Janeiro, onde assume, em maio de 1898, o emprego de amanuense da Junta Comercial. Meses depois abandona o emprego para se dedicar ao jornalismo fundando, junto com Isaías Guedes de Mello, o jornal diário A Tarde. Por esta época, começa a traduzir a obra de Oscar Wilde, ainda muito pouco conhecida no Brasil.Este espírito de descobrir novos escritores estrangeiros e trazê-los traduzidos para o Brasil passa a ser quase uma obsessão. Da lista constam ainda Nietzsche e Stirner, dois filósofos que nortearam a cabeça do inquieto alagoano, consolidando seu espírito libertário, que acabaria por chegar ao anarquismo, isso do ponto de vista político.O início do século XX encontra o ainda jovem Elysio já mais ou menos instalado na vida. Depois do jornal A Tarde, funda, em 1897, com Gonzaga Duque, Vicente Reis, Figueiredo Pimentel e outros, a revista Brasil Moderno. Em dezembro do ano seguinte, casa-se com Elvira da Silva Carvalho, com quem teve três filhos, Theodorico, Mário e Cléo. Nesse período, do ponto de vista da estética artística, busca conhecer tudo que de novo está acontecendo lá fora, tornando-se dos primeiros a citar Freud no Brasil. Apresenta ainda aos modernistas de 22 as curiosidades do dadaísmo, do futurismo e de outros tantos “ismos” então na moda, sendo decisiva sua participação na semana de 22, dando apoio tanto material quanto intelectual. A inquietação intelectual, no entanto, o leva a um outro empreendimento de fôlego. No dia 2 de fevereiro de 1904, funda e passa a dirigir a Universidade Popular, cuja proposta era educar o proletariado brasileiro dentro dos preceitos socialistas. A idéia, avançada até para os dias de hoje, causa furor na cidade. Segundo alguns pesquisadores atuais, o esforço resultou na formalização da base de toda a teoria socialista brasileira. Estava na plenitude de suas atividades empresariais e intelectuais, quando a tuberculose lhe chegou no começo de 1924, agravada depois de uma viagem para São Paulo. Os médicos aconselharam que, para a cura plena, ele teria que ir para a Europa. No dia 9 de fevereiro de 25, embarca para o Velho Mundo. Depois de breves passagens por Portugal e pelo sul da França, chega a Davos-Platz, na Suíça, onde se interna no Sanatório de Schatzalp. Elysio morreu no dia 2 de novembro de 1925, lá mesmo no sanatório suíço, com 46 anos incompletos, deixando uma biblioteca com mais de cinco mil volumes. Entre suas obras podemos citar: “As Modernas Correntes Estéticas na Literatura Brasileira” (1907); “Esplendor e Decadência da Sociedade Brasileira” (1911); “Gíria dos Gatunos Cariocas” (1912); “Brasil, Potência Mundial” (1919); “O Fator Geográfico na Política Brasileira” (1921); e “A Realidade Brasileira” (1922). (in “Um rebelde nato”, texto publicado no jornal Gazeta de Alagoas – 2006) Postado por Francisco Araújo Filho às 5:18 PM Disponível em: http://dosnavegantes.blogspot.com.br/2007_02_01_archive.html.


                                             Elysio de Carvalho faleceu aos 45 anos de idade.

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                          SILVA JUNIOR





SILVA JÚNIOR, José Corrêa da, dito CORRÊA JÚNIOR (Pilar AL 21 ou 22/1/1893 - São Paulo SP 9/1/1972 segundo MMS 9/7) Poeta, advogado, jornalista. Filho de José Corrêa da Silva e Olga Maia das Dores Corrêa da Silva. Curso primário na cidade natal, e humanidades em Maceió, no Colégio 15 de março e no Liceu Alagoano. Foi um dos redatores de Argos, revista literária, educativa e artística fundada em Maceió em setembro de 1910. Colaborou em A Ilustração, órgão trimestral, de função literária, instrutiva e noticiosa, aparecido em 1907, na A Escola Alagoana, quinzenário publicado pelo Grêmio Literário Tavares Bastos, periódico surgido a 1º de maio de 1908 e em Renascença , revista literária dirigida por Barreto Cardoso. Nomeado, em 1910, para os Correios, conseguiu, posteriormente, transferência para São Paulo (SP), em 1914, onde se fixou. Escriturário da Prefeitura Municipal, a partir de 1927. Bacharelou-se para Faculdade de Direito de São Paulo (1932), tendo se destacado como um dos fundadores da Academia de Letras daquela Faculdade. Iniciou sua vida jornalística em Santos (SP), como redator do Comércio de Santos.. Foi redator de A Gazeta, desde 1928, tendo trabalhado, ainda, na Folha do Norte, em sua fase inicial, no O Combate, na Folha da Manhã e no A Capital, como também em diversas revistas. Sócio da Associação Paulista de Imprensa e do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Obras: Poemas das Batalhas São Paulo, Tipografia Cavaliere {1914}; Rezas Proibidas, Rio de Janeiro, Tipografia da Revista dos Tribunais, 1917 (poesia); Dona do Meu Silêncio, São Paulo, Editora Hélios, 1927 s.d. ???, (poesia) Menção Honrosa da Academia Brasileira de Letras; Conselhos aos Namorados, s.d. (poesia) há uma 2ª. edição {São Paulo, Heros Gráfica e Editora, 1930}; A Alegria de Ser Criança, São Paulo, Sociedade Impressora Paulista, 1929 , com ilustrações (poesia); Trovas, São Paulo, Editora Meridiana 1932, com ilustrações; Cantigas de Quem te Quer, s.d. 1939 ?? prefácio de Adelmar Tavares ??? (poesia); Poemas Minúsculos, Rio de Janeiro ??? Livraria Jose Olympio ???, 1941 (poesia); Poesias Infantis, São Paulo, Editora Melhoramentos, {1951}; Jardim Para Tuas Mãos, capa e ilustrações de Noêmia, (s.n.), 1967, (poesia); O Trabalho: Fonte de Alegria ( Escritos Úteis à Formação Intelectual e Moral do Operário Brasileiro; Aprendemos a Contar, São Paulo, 1951 1958 ???; A Cidade das Crianças, São Paulo, Editora Melhoramentos, 1954; O Gatinho Guloso ( E os Filhos da Coruja,1954 ???; Barquinho de Papel, 1961 (poesias infantis); Alma em Flor, (poesia); A Poesia de Corrêa Júnior, ( antologia); São Francisco de Assis na Literatura e na Arte, São Paulo, Martins, 1968 (ensaio); Loja de Brinquedos, ( prosa ); Todos os Versos, São Paulo ??? Ediora do Brasil ??? 1953; Oração a São Paulo. Discurso Pronunciado ao Receber o Título de Cidadão Paulistano, São Paulo, Ed. J. Bignard & Cia Ltda., 1965. Teria deixado inéditos: Poesia; Diário Mais ou Menos Íntimo; Páginas Paulistanas, (antologia); No Tempo em que os Bichos Falavam ( histórias para crianças). Homenagem a Casper Líbero, s/ed., s/data ???? SOL - POSTO No túmulo do poeta Bráulio Cavalcante "Não morrem os que caem na luta pelo Bem: Desaparecem como um sol que nuvem negra ocultou." Pesado crepe envolve as Alagoas. Do templo da Poesia o louro véu, caiu por sobre o alvo mausoléu que tu,alma da Pátria, hoje abençoas. Foste, Poeta, um astro em céu de Agosto que a fúria dum perverso anoiteceu. Ave que de súbito emudeceu ao modular os cantos, ao sol-posto. Morreste ? Não: - Envenenadas setas expeliram-te a alma deslumbrada. Partiste para o Azul que é a morada das estrelas, das aves e dos poetas. E foste para a luz da Eternidade nas flores do triunfo amortalhado. Deixaste à pátria um nome aureolado, No coração do povo - uma saudade. (Rosália Sandoval)


FERNANDES TAVARES

BRÁULIO FERNANDES TAVARES era filho do Cel. Bellarmino Fernandes da Silva Tavares e irmão de: José Belarmino Tavares, Belarmino Tavares Filho, João Fernandes Tavares, Ananias Tavares e Francisco Lopes Tavares. Casou-se em 19 de julho de 1909 com Clotilde Pereira Tavares. Faleceu em Olinda, na Rua Joaquim Cavalcante, 283, às 16:00 horas do dia 27 de dezembro de 1946. Foi sepultado às 16:00 h do dia seguinte. Deixou viúva e sete filhos, entre eles Claudio Tavares (jornalista), Nilo Tavares e Stélio Tavares. Fonte: Jornal Pequeno, 28/12/1946.

NOVA AMANTE

Fernandes Tavares

Essa que vive me seguindo agora
Com um olhar de amor, apaixonado,
Veio avisar o meu amor fanado,
Veio lembrar-me as ilusões de outrora.

Lírio do vale que às ilusões enflora,
Lembra Marina, o meu amor passado;
Quando me olha co’um um olhar pausado
Nele diviso o resplendor d’aurora.

Filha do céu – ela é irmã dos anjos,
Dos loiros querubins e dos arcanjos,
Tem de Vênus o rubido semblante.

Oh! Que ventura agora eu vou sentindo...
Sorri minh’alma e eu também vou rindo...
Bendita seja a minha casta amante!...

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Extraído de O Trocista, Maceió, 20 de abril de 1902, p. 3.
Disponível em:


SAUDADE
(ao mano Bello Tavares)
Fernandes Tavares

A saudade que eu sinto, caro amigo,
Desse nosso viver de tantos anos,
Vem me causado matadores danos
Sob as agruras do mortal castigo.

Foi-se alegria do meu doce abrigo
Ligeiramente, ao deslizar dos anos;
E os ternos gozos que nós dois ufanos
Tínhamos sempre, já não mais lobrigo.

Tudo me fere a existência agora:
O canto d’ave, o despertar d’aurora,
A noite negra, o sibilar do vento.

E tu, distante, também vais sofrendo
A mesma mágoa que eu vou padecendo,
Sempre seguida de cruel tormento.

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Extraído de O Trocista, Maceió, 20 de abril de 1902, p. 3.
Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=812315&PagFis=27


Fernandes Tavares

Mudo e só. Lembro agora o profundo segredo
Da vida que, a fugir, num momento se acaba.
Se temos dentro em nós uma ilusão, bem cedo
Vem a morte e num instante essa ilusão desaba.

Cante embora do amor o velho citaredo,
É preciso cantar, que o canto menoscaba
Da dor, que a tudo traz uma nuvem de medo,
E que ninguém, assim, risonhamente gaba.

E eu não sei o mister dessa existência ingrata,
- Vão suspiro que passa em bárbara carreira,
Como a corça buscando a espessura da mata.

E o que resta de nós nessa viagem ligeira?
- À sombra de uma cruz uns versos cor de prata,
Onde, às vezes, ao luar, alveja uma caveira.

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Extraído de Gutenberg, Maceió, 7 de outubro de 1910, p. 2
Disponível em:


TRIUNFANTE

Fernandes Tavares

Nós dois, bem juntos, bem felizes, rindo
Festa do amor, doméstica cidade,
E o nosso amor vibrando sempre lindo
E distante a fugir toda a saudade.

Olha o passado... Escuca... Ei-lo dormindo
Nas estâncias de vasta soledade
O presente... o futuro... o sonho infindo
E os ideais na sua eternidade.

Esperanças as asas tatalando...
E as ilusões em palpita revoada
Sobre as nossas cabeças adejando...

Toda a nossa ventura suspirada,
As vitórias do amor se proclamando
E a nossa vida florida e abençoada.

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Extraído da revista Perseverança, Ano I, Nº 11
Maceió, 30 de dezembro de 1911, p. 3. Disponível em:


CREPUSCULAR
(no álbum de Jackson de Figueiredo)

Fernandes Tavares

Tarde. Sobre a montanha alcantilada e bela,
Olho para distante. O céu e todo o mar,
E o sol, que a se esconder, ao longe de acastela,
Em mistérios sem fim, me fazem meditar.

Muito além, no horizonte, há cor e esbatimentos,
Singulares, meu Deus, que a gente ao vê-los cuida
Ver um novo país sem horas e momentos,
Como na fantasia exótica de um druida.

Olho cada vez mais essa cena esquisita
Do sol que tinge o céu e o oceano colossal!...
E esse incêndio que além lavra a plaga infinita,
Tem assim o fulgor de um céu oriental.

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Extraído de O Monitor (jornal penedense de propriedade de
Moreno Brandão), 1º de março de 1909. Disponível em:


SAUDADE
(a Olympio Fernandes)

Fernandes Tavares

Tardes mortas, crepúsculos magoados
E o sol a esconder por traz da serra,
Sobras em bandos calmos e pesados
Nas planícies sem fim da minha terra.

O Coruripe a murmurar uns fados
Pela caudal que a sua voz encerra,
Por entre os verdes bananais cerrados,
Lembrando uma ilusão que se desterra.

Saudade é isso... E, além, nas capoeiras
O Corta-pau soltando um assobio
 E as cantigas das pálidas roceiras.

Noites de luar beijadas pelo estio...
E as ovelhas balindo pelas eiras
E os murmúrios trêmulos do rio.

...
Maceió, Jacutinga, 1909.
_____________
Extraído de O Monitor, Penedo, 17 de maio de 1909, p. 2
Disponível em:

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=761524&PagFis=76


NUMA NOITE DE LUA
(a Belmiro de Almeida)

Fernandes Tavares

Noite branca de sonhos e lembranças...
O pensamento ao longe divagando...
Minha terra por entre as verdes franças,
Aos embalos do vento repousando.

Alegrias tão meigas e tão mansas,
Vão-me pela memória repassando,
Hoje, quantas saudades e mudanças,
E distante o passado soluçando!

Era assim mesmo: o céu todo inundado
Pelo clarão da lua a se espraiar,
O silêncio, a mudez, o descampado...

A casa onde eu nasci, todo o pomar,
E a floresta num sono perfumado
Sob a prata gelada do luar.

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Extraído do Gutenberg, Maceió, 29/10/1911, p.2.
Disponível em:


TURQUIA
(a Menezes Junior)

Fernandes Tavares

Esse brusco rumor da voz da artilharia
Parece repercutir ao meu ouvido estático,
Tal se eu fora a vagar sob o céu da Turquia,
Ouvindo o seu clamor nas ondas do Adriático...

Formosa cortesã de excelsa bizarria,
Hoje o mundo contempla o seu perfil simpático
No anseio de manter sua soberania
De rainha ancestral do continente asiático.

Mas, em vão lutarás, ó terra legendária! ...
Em vão! ... Nem se ouvirão teus múrmuros apelos
Sufocados da guerra à fúria tumultuária.
Guerra! A Itália a pisar teus ideais mais belos!
E em breve gemerás, Turquia, solitária,
- Profanada visão do céu dos Dardanelos.

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Extraído do Gutenbert, Maceió, 15/10/1911, p. 2.
Disponível em:

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=809250&PagFis=12109

ÁRVORE NUA

Fernandes Tavares

Aqui, sobre estes galhos desfolhados,
Verdes, floridos, balouçando outrora,
Viveram castos ninhos habitados
E andaram brancos madrigais de aurora.

Hoje, como que em prantos congelados,
Aqui a Saudade debruçada chora...
Aves que andam em idílios prateados,
Foram-se há muito para o longe embora.

Assim também soturnamente eu vivo,
A alma deserta e o coração esquivo,
No infinito Steppe de um viver ignaro.

Busco a ilusão e as crenças de outras eras
Mas só encontro túrbidas quimeras
- Árvore nua em pleno desamparo.

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Publicado em Estado do Espírito Santo, Vitória, 4 de fevereiro de 1904.
Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=229644&PagFis=17226



OLYMPIO FERNANDES


Olympio Fernandes da Silva, natural de Capela, Alagoas. Formou-se, em 1908, pela Faculdade de Direito do Recife. Em 1911, entrou para a Magistratura, tendo ocupado o cargo de Juiz de Direito nas comarcas de Grajaú, Loreto, São Francisco, Pinheiro, Brejo, Viana, Picos, no Estado do Maranhão. Em 25 de julho de 1912, casa-se, no Rio de Janeiro, na Matriz do Engenho Velho, com a Srtª Carmen da Rocha Santos, filha do Sr. Pedro Pinto dos Santos e Amélia da Rocha Santos. Ela faleceu aos 30 anos de idade, em 3 de novembro de 1916. Estranho, porém, que as notas de falecimento publicadas nos jornais da época não mencionam o nome do marido. Publicou: Entre Árvores, pela Imprensa Industrial, Recife.

NA PARTIDA

Olympio Fernandes

Ficas e eu parto. O coração tristonho
Recorda um cemitério abandonado
Onde foi o cadáver do meu sonho
Na tumba de outro sonho sepultado.

Ficas e eu parto. E o teu viver inconho
Faz recordar um céu todo nublado
Onde rebrame um temporal medonho
O nosso Amor, querida, enclausurado.

Ficas e eu parto. E pela vida em fora
Vou caminhando louro e em desatino
Em busca de uma noite sem Aurora

Ficas e eu parto. E a minha Dor, querida,
Assemelha-se a um bardo sem destino
Sulcando o negro mar da nossa Vida.
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Extraído de O Jornal, Maranhão, 9 de agosto de 1918, p. 2.
Disponível em:

DE VOLTA

Olympio Fernandes

Depois de longos anos de ansiedade,
Hoje posso falar-te novamente,
Posso dizer-te o que minh’alma sente
E o que senti na estranha soledade.

Hoje minh’alma ri de contente...
E é tão grande a alegria que me invade
Que ao ver teu rosto cheio de bondade
A dor e a mágoa esqueço-as de repente.

Volve, portanto, o teu olhar, querida,
Para os meus olhos que te querem tanto
Pois tu resumes toda a minha vida.

Olha-me sempre! O teu olha me anima!
Mas, se te falo de alegria e pranto
Nada te digo que a saudade exprima.
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Extraído de O Combate, Maranhão, 6 de julho de 1929.
Disponível em:


MONJA
(num álbum de D. Nanette de Sá Pereira)

Olympio Fernandes

Esta monja que vês tristonha e muda
Aos pés de um Cristo de marfim polido,
Sente n’alma uma dor profunda e aguda
            Mas não solta um gemido.

Guarda consigo a dor e o sofrimento:
E vive assim a triste enclausurada,
A linda monja do arrependimento,
            A doce torturada!
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Publicada em Pacotilha, Maranhão, 4 de dezembro de 1905, p. 2
Disponível em:


O LAGO

Olympio Fernandes

Perto da tua casa um lago existe,
Onde tu vais brincar desde pequena,
Olhando as águas, cada vez mais triste,
Linda mulher – ó pálida açucena!

Dizem que, outrora, um cavalheiro ingrato
Também passara ali horas inteiras...
E hoje tu vês lago o teu retrato
- As tuas esperanças derradeiras...

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Pacotilha, Maranhão, 28 de outubro de 1913, p. 2.
Disponível em:



UMA SAUDADE
(ao Luiz Moraes)

Olympio Fernandes

Não sei qual foi a mão bondosa e pura
Que me deixou ficar essa saudade
Sobre a janela de madeira escura
Do meu casebre que o luar invade.

Não sei.... Mas, quanto bem, quanta ternura
Nesta singela flor; quanta bondade
N’alma de alguém que tanto me tortura,
Recordando uns amores de outra idade.

Não sei... Mas, tudo aqui no meu deserto,
Diz que vem de mulher o doce encanto
Desta saudade que aqui tenho perto.

E diz ainda que é formosa e boa
Essa criatura que me estima tanto,
Essa mulher que tanto me magoa! ...

Recife_
Publicado no Gutenberg, Maceió, 9 de outubro de 1908, p. 2.
Disponível em:

ANTÍTESE
(ao Barreto Cardoso)

Olympio Fernandes

Ao pé daquele monte solitário
Avisto, ao longe, a tua habitação
E ouço o canto saudoso de um canário
Que me faz tanto mal ao coração.

Pobre canário a que ninguém resiste!
(Ó minha doce amada) quem diria
Que eu encontrasse esse canário triste
Aonde vive a cantar minha Alegria!

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Gutenberg, Maceió, 4 de maio de 1909, p. 2.
Disponível em:
A CARIDADE

Olympio Fernandes

Tu baixaste do céu dessa plaga encantada,
Ao lado de Jesus – o doce Nazareno –
Esse homem justo e bom de semblante sereno
De quem nos fala sempre a Escritura Sagrada.

Baixaste com Jesus da esfera constelada;
E hoje vives aqui, neste globo terreno,
Onde se ouves de alguém um dolorido treno,
Buscas alívio à dor dessa alma torturada.

E já que andas na terra a todos amparando,
Ó santa, ó meiga, ó pura, ó doce Caridade,
Ampara-nos também, que vivemos penando...

E esparge sobre nós a tua luz fecunda.
Essa luz que derrama intensa claridade
Do palácio mais rico à tasca mais imunda!

Recife,
_____________
Gutenberg, Maceió, 4 de novembro de 1908, p. 2.
Disponível em:



A UMA VIÚVA

Olympio Fernandes

No teu semblante pálido e magoado,
Onde a beleza soberana impera,
Eu li todo o romance amargurado
Que te fez triste em plena Primavera.

Sei que padecemos, roxo Lírio amado,
Essa viuvez que as almas encarcera...
Sei que possuis um coração fechado
Que de sofrer já nada mais espera...

Ah! Ninguém saiba o quanto sofres, quanto!
Pois as mágoas de amor ninguém reparte...
Verte em silêncio o teu amado pranto!

Guarda contigo no íntimo, secreta,
Toda tristeza que me faz amar-te
E quem inspirou meu coração de poeta!

Recife
______________
A Província, Recife, 6 de junho de 1909, p. 5.
Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=128066_01&PagFis=19635


RECUERDO

Olympio Fernandes

Uma palavra, um gesto, uma lembrança
Recordas, às vezes, um passado inteiro;
E às vezes traz a luz de uma esperança
Ao coração do triste aventureiro.

Recorda um grande amor que além descansa
- Amor que foi de todos o primeiro –
E que inda mesmo na desesperança
Sempre mostrou-se forte e verdadeiro.

Outras vezes, porém, tudo se esquece,
Pois esse mundo é cheio de vaidade...
Contudo, eu creio em fervorosa prece...

Ah! Que o meu estro, que jamais se cansa,
Encontre sempre cheia de bondade,
Uma palavra... um gesto... uma lembrança.

Recife.
________________
Diário de Natal, Natal-RN, 26 de junho de 1906, p. 2.
Disponível em:

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=344905&PagFis=4


SEBASTIÃO DE ABREU

Sebastião de Abreu

SEBASTIÃO DE ABREU nasceu em Maceió a 20 de janeiro de 1883. Vítima de pneumonia, segundo diagnóstico do médico que o assistiu, Dr. Eraldo Passos, faleceu aos 26 anos de idade, no dia 22 de fevereiro, às 8 ½ da manhã, em sua residência à rua Cincinato Pinto.
Deixou um livro inédito intitulado Angelus. (Fonte: Gutenber, 24/02/1909). Filho do major Felippe Sant’Iago de Abreu, voluntário na Guerra do Paraguai (onde fez toda a campanha, recebendo distinções honoríficas em consequência de sua bravura), e de Epifânia de Pontes Abreu. Do consórcio de seus pais nasceram, ainda, Emygdio José de Abreu, compositor e músico; J. Rosalvo de Abreu; e Rita de Abreu, professora, escritora e poetisa, conhecida pelo pseudônimo de Rosália Sandoval. Fez os estudos primários em Maceió, no entanto não chegou a concluir os preparatórios. Segundo sua irmã, Sebastião de Abreu era estudioso, mas não tinha ânimo para prestar exames. Dedicou-se desde cedo ao jornalismo, escrevendo crônicas e artigos para diversos jornais da capital alagoana. (Fonte: Site Alagoanidades. Disponível em:

Veja mais neste Blog. Página POETAS ALAGOANOS



ALMA

Sebastião de Abreu

Alma, sopro de Deus, feito de luz, de cismas,
O que fazes na terra, o que tanto procuras
Esses olhos erguendo às cerulas planuras,
Entre o ciúme, a incerteza, as crenças e os sofismas?

Em que tu, alta essência, ó sôfregas, te abismas
Entre a mágoa, a esperança, a lágrima e as torturas,
Ao fulgor estelar que desce das Alturas,
Tu que crismas a dor e o perdão também crismas?

- Eu busco a eterna paz de eternas primaveras
Pelos almos clarões das fulgidas esferas,
Pelo amor, pela fé legítima e florida;

Busco a fonte do Bem, das cousas verdadeiras,
O idílio virginal das ilusões primeiras;
- A expressão mais sincera e lídima da Vida!

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Lumen, Maceió, Ano I, Nº 9, outubro de 1908, p. 4.
Disponível em:


AS CARTAS

Sebastião de Abreu


As tuas cartas, flor, os teus segredos,
Sei com desvelo e amor sempre guardá-las:
- Mentiras que disseste nos silvedos
E espalhas, à toa, pelas salas.

Falam das ilusões e dos teus medos
Naquela graça com que em sonho embalas,
Dos idílios à sombra de arvoredos...
Logo, é justo que devo conservá-las.

São as flores do sonho desfolhadas,
E, embora sejam simples e erradas,
Dizem, contudo, do que em mim tu leste,

São a esperança morta de um noivado,
E ainda têm todo o aroma do passado...
São mentiras gentis que me escreveste”

___________
Publicado em Novidade, Nº 19, 1931.



CALÚNIA
Sebastião de Abreu

Tu, que habitas o mais escuro da floresta
e nobreza não tem, nem fé, nem luz, nem raça,
és, perversa e mordaz, malévola e funesta,
quem no mundo semeia o joio da desgraça.

És o intenso calor que tudo abrase e cresta
como um incêndio voraz, flamívomo que passa;
pús da víbora má que a alma dos bons molesta
nos acessos febris de u’a mulher devassa.

Tu que espalhas a dor e os ódios e o assassínio
e que adulas o forte e feres  o indefeso,
rude, ingrata, brutal como a alma de Tarquínio.

Tu não podes amar, oh corvo desumano,
almas puras vencer, porque tens o desprezo,
o desprezo perene, imenso e soberano!

________________
1904.
Publicado em Evolucionista, Maceió, 23 de setembro de 1905.
Disponível em:





















VERÃO

Sebastião de Abreu

Verão vibrante! Pela branca estrada
vamos, minh’alma, às solidões antigas
ver a quadra gentil de uma esfolhada
e a debulha das providas espigas!

Vamos, depressa, procurar pousada
na Flora; ouvir-lhe as matinais cantigas;
lembrar enleios e ilusões em cada
grito das fontes festivas e amigas!

Longe da insânia da cidade ouçamos
a voz das selvas, o cantar dos ramos
e o zumbido longínquos das colmeias...

Há tanto encanto no silvedo agora!
E o ribeirinho sonoroso chora
Sobre a lhama de prata das areias...

_____________
Evolucionista, Maceió, 2 de outubro de 1905.
Disponível em:

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=219037&PagFis=877

ANTIGO
(para Rosalvo Ribeiro)

Sebastião de Abreu

Na calma Flora, trépido flutua
O som do búzio que dragões conclama!
Entre frontes de sicas surge a lua
Envolta em branca e merencória flama...

Do mar, a ondina e espumarenta e nua
Relembra os hinos imortais de Brahma...
E, do cálamo, a a nota se insinua
Pela selva que, provida, se enrama.

Que há pela noite? – Essas visões selvagens
O que buscam nas flóridas ramagens
Antes que o sol mais bárbaro palpite?...

- Ah! Todo o Olimpo de visões se adorna,
Aos fulgores da noite doce e morna,
Para o culto de Vênus Afrodite!

_______________
Gutenberg, Maceió, 27 de janeiro de 1905, p. 2.
Disponível em:

5 comentários:

  1. Que legal!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
    Amei a ideia desse blog!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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  2. Não conhecia este blog. Fiquei tão feliz ao visitá-lo! A escola a qual trabalho está propondo um projeto onde estudaremos os autores alagoanos e este espaço é perfeito! Também escrevo algumas coisas, tipo cordel, poemas... arrisco escrever de vez em quando. Como faço para publicar aqui?

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  3. Feliz de encontrar esses poetas. Poucas mulheres...

    ResponderExcluir

A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia