sábado, 30 de abril de 2016

ÉLIO LEMOS FRANÇA

Por Etevaldo Amorim

As salas de aula do Ginásio Dom Antônio Brandão recebiam nomes de personalidades ilustres de Pão de Açúcar: Bráulio Cavalcante, Jovino da Luz, Moreno Brandão, José de Freitas Machado, entre outros. Justa homenagem àqueles que enalteceram a história daquela cidade ribeirinha do São Francisco.
Em 1972, a minha Turma, que iniciara o Curso com mais de cem alunos, dividida em A, B e C, resumia-se a cinquenta e quatro; em Turma Única, cabendo toda numa Sala junto à Diretoria. Lá no alto, acima do quadro-negro, a inscrição “SALA ÉLIO FRANÇA”. Mas, quem seria esse personagem na história de Pão de Açúcar?
Élio Lemos França. Acervo: Colégio Guido


A famosa Cachoeira sempre foi, desde longa data, frequentemente visitada por brasileiros e estrangeiros, que para ela afluíam no intuito de contemplar sua beleza. Mas, a partir do início da construção da hidrelétrica, suas obras passaram a ser também objeto de curiosidade de muitos excursionistas, entre eles muitos estudantes, mormente no ano de sua Formatura.Não tardou que, numa aula de História, o Professor (e também Diretor) Dr. Átila Pinto Machado nos desse a resposta. Não se tratava de um pão-de-açucarense. Em breves palavras, ele nos contou um pouco da história de Élio Lemos França, aluno do Colégio Guido de Fontgalland, falecido tragicamente na Cachoeira de Paulo Afonso. Ao final, lendo num livro ou revista, recitou Torvelinho, de autoria de Élio França, uma prosa poética de bela feitura, que falava em água e em “cair precipitadamente”...algo assim; parecia uma premonição.
A Turma do 3º Ano Científico do Colégio Guido de Fontgalland, em 1954, foi também atraída pela beleza e pela experiência de progresso que se verificava com o aproveitamento da queda d’água para geração de energia elétrica. A experiência pioneira de Delmiro Gouveia com a usina de Angiquinho estava se consolidando. A viagem foi marcada para o dia 10 de outubro. O responsável pela excursão, professor Aloisio Galvão, anunciou a saída para as 5:30 horas daquele domingo.
Com efeito, no dia e hora marcados, em frente ao Colégio, um caminhão os esperava. Entraram todos e partiram. Entre eles, o jovem Élio Lemos França, estudante do Guido desde que prestara o Exame de Admissão em 1948. 
Élio França, do Grêmio Rui Barbosa, fala para os alunos da 1ª Série Ginasial, num 
Encontro Gremista, no Colégio Guido. Foto: Revista MOCIDADE, Ano 3, nº 16, 
Outubro/Novembro 1948, p. 41.


Ele já havia sido escolhido Orador Oficial da Turma; já era Secretário da Diretoria do próprio Colégio Guido desde 1951; Diretor da Revista Mocidade desde 1953; e Secretário-Geral da Campanha Nacional de Educandários Gratuitos – CNEG, Seção de Alagoas. Ele mesmo que, ainda pouco tempo atrás, a 4 de agosto daquele ano, regressara do Rio de Janeiro, em avião da Cruzeiro do Sul, onde participou do VI Congresso Nacional de Educandários Gratuitos (de 26 a 31 de julho), com destacada atuação.[i] Nesse mesmo ano de 1954, havia fundado o Grupo Teatral Anchieta, que estreou com a encenação da peça A Longa Espera, de sua autoria, bem como dirigido a peça Noites da Lagoa. Recebeu o Prêmio Nacional Esso de Reportagem com a sua prosa poética intitulada Torvelinho.
Seguiram pela BR-316 até chegar em Palmeira dos Índios, onde pernoitaram. Dia seguinte, estrada de chão passando por Santana do Ipanema e, por fim, Delmiro Gouveia. Na terça-feira, 12, estavam diante da Cachoeira. A alegre caravana se dispersava entre os diversos pontos de visita. Mas algo de muito trágico estava para acontecer.
Segundo narrativa do estudante João Cauby Cavalcante, que integrava a caravana, assim se deu a tragédia:
“Estava eu juntamente com vários colegas quando Élio, ao ver que o meu amigo Jefferson Calheiros ia tirar uma fotografia do Rogério Henrique, disse em voz alta:
- Rogério, eu conheço a máquina e vou bater uma grande fotografia sua, que vai ser um sucesso entre as meninas!
Nesse momento, Élio estava com várias pedrinhas em uma das mãos e pretendia guardar como ‘souvenir’. Entregou-as a Arnaldo Calheiros e encaminhou-se imprudentemente em direção a Rogério. Tomara o lado perigoso da Cachoeira e, ao tentar apanhar a máquina, aconteceu o imprevisto. Élio estava descalço, trajando uma calça de linho branco e camisa azul. Tentando galgar melhor posição, procurou passar por detrás de Rogério. Foi infeliz, no entanto. Escorregou em uma pedra lisa e, com os olhos arregalados, abrindo os braços numa tentativa vã de agarrar-se a Rogério, mas sem um grito sequer, mergulhou no abismo, sendo tragado pela fabulosa queda d’água. Ainda por segundos — prossegue emocionado o estudante — veio à tona o corpo de Élio, quando pudemos perceber claramente o desespero com que, inutilmente, o nosso malfadado colega se debatia para escapar à impetuosidade das águas. Aí então ninguém mais se entendeu — prossegue João Cauby — e o pânico tomou conta de todos. Fui tomado de violenta crise nervosa, o mesmo acontecendo com muitos de nossos colegas”.
O fato é que o nervosismo tomou conta de todos. Passados alguns momentos, o Professor Aloisio Galvão, em companhia de alguns alunos, solicitou turmas de apoio a fim de procurarem por Élio. Entretanto, depois de penoso trabalho no local, e não tendo encontrado o corpo, o chefe da excursão se dirigiu à cidade de Delmiro Gouveia, de onde telegrafou para o Padre Teófanes e para o Deputado Rui Palmeira, relatando o doloroso ocorrido.
Logo que tomou conhecimento, a Direção do Colégio suspendeu as aulas, o mesmo fazendo a Faculdade de Filosofia de Alagoas, também sob a direção do Pe. Teófanes, bem como a Escola Técnica de Comércio de Alagoas, em cuja direção se achava o Sr. José Cavalcante Manso.
Helena Britto de Andrade, funcionária dos Correios, em matéria publicada na revista O Mundo Ilustrado (Ano II, nº 92, 3 de novembro de 1954, p. 31), relata o impacto da notícia no seio da família e nos meios estudantis alagoanos.
“Elói Lemos França, telegrafista dos Correios e Telégrafos de Maceió, estava de pernoite na sala de aparelhos quando os sinais do Morse começaram a transmitir a notícia trágica.
Élio, vítima de acidente, caiu nas águas da cachoeira estando seu corpo desaparecido.
E outros despachos foram chegando. O telegrafista recebeu tremendo impacto. Pela primeira vez estava recebendo uma notícia que lhe interessava particularmente. Élio Lemos França era seu filho. Em prantos, tomado por violenta crise nervosa, o pobre homem foi logo cercado pelo conforto de seus companheiros de trabalho, enquanto a notícia, agora mais detalhada, espalhava-se pela cidade para, mais tarde, consternar Alagoas inteira e também todo o Nordeste”.
Embora tivessem sido, de imediato, organizados os grupos de busca pelo corpo de Élio, somente após três dias de intensa e exaustiva procura o mesmo foi encontrado, horrivelmente mutilado, preso entre duas pedras, num local muito distante do da queda.
Local da queda de Élio na Cachoeira de Paulo Afonso.O Mundo Ilustrado,_Ano II, Nº 92, 
03.11.1954, p. 30.
Em memória do jovem estudante, tão prematuramente desaparecido, algumas homenagens foram prestadas. Exemplo disso foi a Lei nº 493, de 19 de março de 1956, pela qual a Câmara Municipal de Maceió autorizou o Prefeito Abelardo Pontes Lima a construir, no bairro do Bom Parto, em Maceió, uma praça com seu nome. Essa Praça se localiza no início da Rua Hermes da Fonseca, logo após a Praça dos Martírios, a partir da casa de nº 196, onde atualmente existe um ponto de ônibus para os que demandam os bairros de Bebedouro, Chã da Jaqueira, etc.
Praça Élio Lemos França na Rua General Hermes.
Duas Escolas também receberam o nome de Élio Lemos França; um no bairro de Ponta Grossa, em 1956, na Capital, e outro na cidade de Piaçabuçu, em 1957.
Em crônica publicada no jornal carioca Diário de Notícias, edição de 23 de agosto de 1959, intitulada NOSSA CULPA, o Pe. Teófanes Augusto de Araújo Barros dá um testemunho do seu valor:
“Entre os grandes erros cometidos pela nossa geração para com a que se inicia na vida em pleno esplendor da adolescência está o de nunca sermos suficientes na tarefa árdua de esclarecer sobre o conteúdo e o sentido da vida. ”
...
“Eu convivi com um menino que desde os 14 anos se revelava um pequeno gênio das letras. Foi a inteligência mais deslumbrante que eu conheci. Esse garoto, que já publicava aos 16 anos trabalhos de valor na imprensa de minha terra, esse menino que dizia coisas bem impressionantes sobre o mundo e sobre a vida, deixou uma bagagem literária de insigne valor. A Cachoeira de Paulo Afonso o arrebatou nos seus 17 anos, em uma dessas caravanas tão comuns entre os estudantes. Chamou-se Élio Lemos França”.

Padre Tófanes e autoridades inauguram um busto em homenagem a Élio Lemos, em 1974, lembrando 20 anos do seu desaparecimento.

ÉLIO LEMOS FRANÇA, nasceu em Maceió no dia 18 de janeiro de 1938. Era filho de Eloi Lemos França, funcionário dos Correios e Telégrafos e de Filomena Lemos França, professora no Grupo Escolar Fernandes Lima, na Rua do Sol, e tinha como irmãos Artêmia e Eloi Junior. Constituía uma família feliz, que morava na casa nº 724 da Rua Buarque de Macedo.
Diz ainda Helena Britto de Andrade:
“Na Cachoeira de Paulo Afonso existe um livro no qual os visitantes deixam registradas suas impressões. Élio França, jovem de espírito alegre, estudioso e possuindo grandes pendores para a literatura e o jornalismo, deixou escrita a seguinte frase:
Mesmo depois de conhecer Paulo Afonso, ainda considero a mulher a maior criação da Natureza’. ”
 
Élio Lemos França faleceu a 12 de outubro de 1954. Foto: Meridional, Diário da Noite, RJ, 29/10/1954.

 VOCÊ
Élio L. França

“Você reúne tudo o que sonhei na vida...”
Jayme d’Alvavilla

Você é muito mais do que eu poderia querer para mim,
muito mais.
Como eu iria prever tanta felicidade junta?
- Sou tão pessimista...
Não seria capaz, jamais.
De imaginar seus olhos,
escuros assim, como tarde de chuva;
nem sua voz assim morena,
quieta, morta, diferente da vida;
nem seus lábios tão bondosos,
falando carinhos que encorajam,
que não me deixam ter medo da vida,
assim vermelhos, assim macios.
Assim como tanto os amo!
Somente quando eu era pequenino
- no tempo em que papai me puxava pela mão –
Dei esmola a uma velhinha
do rosto riscado de mazelas,
dos olhos mortiços de solidão,
de sonhos mortos, esmagados,
que tinha uma voz rouca, arrastada,
que dava pena.
E ela me disse, lá do canto sujo da calçada,
que papai do céu me daria uma vida muito feliz,
diferente da dela,
e que uma mocinha,
bem boa e bem linda,
que me faria feliz...
Mas eu não sabia que seria assim,
tão boa e tão bela quanto você.
Como papai do céu é bom!
Você é muito mais do que eu poderia querer para mim,
muito mais.









[i]  FONTES:
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 16 de outubro de 1954, p. 10.
BARROS, Francisco Reynaldo Amorim de. ABC DAS ALAGOAS.
Revista MOCIDADE, Ano 3, nº 16, Outubro/Novembro 1948, p. 41
Diário de Notícias, RJ, 5 de agosto de 1954, p. 11.
Diário de Notícias, RJ, 23 de agosto de 1959, p. 62. NOSSA CULPA. Artigo do Pe. Teófanes sobre Élio.
Correio da Manhã, RJ, 20 de outubro de 1954, p. 16. Notícia da morte.
Jornal do Brasil, 25 de janeiro de 1955, p. 12
Mundo Ilustrado, RJ, Notícia da morte de Elio. Por Helena Britto Andrade. Ano II, nº 92, 3 de novembro de 1954, p. 31.
CORREIO DA MANHÃ, RJ, 20 de outubro de 1954.
CORREIO DA MANHÃ, RJ, 8 de setembro de 1959.
Todos disponíveis em Hemeroteca nacional: www.bn.br.


A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia