sábado, 16 de janeiro de 2016

O CARNAVAL DO MEU TEMPO

Por Adherbal de Arecippo[i]

Dr. Adherbal de Arecippo
Daqueles anos que se foram, quantos são decorridos? Mais de dez? Além de vinte? Atingirá a trinta? Nem sempre o tempo destrói os acontecimentos verificados em eras que já vão longe, porque, muitas vezes, os fatos ficam gravados nas profundidades do espírito. E é o que sucede, no que se relaciona com o carnaval do meu tempo, na cidade de Pão de Açúcar.
            Assistimos, naquela época, a prática do “entrudo”, como habitualmente denominavam as pessoas de modesta educação, sem o entusiasmo e alegria que, naturalmente, acontece nos dias de hoje. Pelas 12 horas de domingo e terça-feira o “aviso” percorria a cidade debaixo de um sol causticante. Não havia música e ninguém cantava. O ritmo, para estimular o “passo”, muito diferente do de hoje, era causado por um bombo e dois tambores. Todos mascarados e muitos vestindo saias.
          Pela manhã, na hora do banho, alguns rapazes eram jogados na água, completamente vestidos, e outros se divertiam jogando farinha do “reino’ no rosto e cabeça de quem passava pela Avenida Bráulio Cavalcante. As mocinhas e os rapazes mais jovens tinham prazer de atirar “cabacinhas” nos amigos. As cabacinhas tinham a forma de uma bola, feita de cera e, dentro, um líquido misturado com alguns pingos de perfume. No decorrer do dia, começando cedo, até pelas 3 horas da tarde, surgiam grupos de “figura séria”. Eram constituídos de moças com o rosto e pescoço envolvidos em fronhas, que andavam pelas ruas pelas ruas principais da cidade, sem pronunciarem uma só palavra e, ao mesmo tempo, irreconhecíveis.
            O uso da fantasia, quase não havia. Minha mãe, porém, vestia-me de “palhaço”, em cores verticais, verde e amarela, e eu saia a passear, de tarde, em companhia de um soldado, que meu saudoso pai[ii] “requisitava” para essa missão, dada a sua qualidade de Juiz de Direito da Comarca. Já adolescente, a fantasia era outra: aproveitava os fraques que papai deixava de usar, vestindo-os debaixo de um calor abrasador.
            Apesar da pouca vibração, e meio social melhor, embora em caráter muito restrito, divertia-se graças ao grande entusiasmo e iniciativa do saudoso Manoelzinho Pereira[iii], uma das figuras mais simpáticas da sociedade pão-de-açucarense. Pouco interessado pela política partidária, preferia a política da alegria, criando grupos carnavalescos inteligentes, que percorriam as casas de família de mais representação social. Também cooperava o inteligente poeta Soares Pinto (Zuza)[iv], muito entusiasta por um Reisado, em época imprópria, no qual ele figurava como o “mateu”, a pilheriar com um, a gracejar com outro.
            Já nos meus últimos anos de permanência naquela comuna sanfranciscana, os blocos percorriam a cidade conduzidos por uma esplêndida orquestra, tirada da banda de música “União de Perseverança”, sob a direção do musicista professor Manoel Victorino Filho[v], a quem chamavam “Nousinho do Guarda”, por ser filho de um guarda de linha dos telégrafos. Nousinho tinha como excelentes ajudantes os seus manos José de Castro Barbosa[vi] e meu companheiro de infância Américo[vii].
            Nessa época, começavam a chegar as lança-perfumes, numa remessa nas quais o líquido cheirava somente a alho. Com as lanças e a orquestra do Nousinho, o ambiente social começou a modificar-se.
            Depois, naturalmente, tudo mudou, tudo transformou-se para melhor. Hoje canta-se, dança-se e toma-se cerveja gelada. Ouve-se pelo rádio as músicas do carnaval carioca e as marchas movimentadas dos frevos pernambucanos.
            E eu fico a observar, ao terminar esta crônica, de quantos anos são passados. Que diferença dos tempos de agora para aquela época que jamais voltará! Naquele tempo, “a escola me era risonha e franca”. E hoje?
______________
Extraído do Jornal de Alagoas, 12 de fevereiro de 1956. Pesquisa de David Bandeira, meu prezado amigo, a quem agradeço.
           



[i] Nasceu em 15 de abril de 1904, na cidade de São José da Laje. Chegou a Pão de Açúcar em 1910, permanecendo até o ano de 1922, período em que seu pai, o íntegro Dr. Antonio Arecippo de Barros Teixeira, pontificou, na qualidade de Juiz de Direito desta Comarca. Fonte: Monografia de Pão de Açúcar, Aldemar de Mendonça.
[ii] Dr. Antônio Arecippo de Barros Teixeira, Juiz de Direito da Comarca de Pão de Açúcar. Nasceu em União dos Palmares (AL) em 31.10.1868 e faleceu em Maceió (AL) em 01.12.1928. Fonte: Wilson Lucena.
[iii] Manoel Francisco Pereira Filho. Nasceu em Pão de Açúcar no dia 13 de outubro de 1886 e lá faleceu a 29 de julho de 1935. Foi Prefeito de Pão de Açúcar de 07q01/1925 a 07q01/1926.
[iv] José Soares Pinto Filho. Nasceu em Pão de Açúcar no dia 28 de abril de 1895. Filho de José Soares Pinto e Isabel Soares Pinto. Faleceu em 30 de novembro de 1926.
[v] Manoel Victorino Filho nasceu em Vila Nova (atual Neópolis), Estado de Sergipe. Faleceu em Maceió, a 18 de abril de 1960.
[vi] No dia 9 de outubro de 1901, nasceu nesta cidade José de Castro Barbosa (Duda), tendo falecido no Rio de Janeiro, em 1969. Foi músico extraordinário e como tal percorreu a Europa, regenciando orquestras de navios transatlânticos. Formado em Direito, passou a exercer a advocacia no Rio de Janeiro.
[vii] Américo de Castro Barbosa, nasceu dia 3 de dezembro de 1903. Foi exímio violoncelista, tendo feito parte da orquestra de Fon-Fon, excursionando para a Argentina em 1941 e para Montevidéu, em 1953. Fez parte, também, da orquestra Carioca. Faleceu no Rio de Janeiro, no ano de 1967.


           





Dr. Antônio Arecippo de Barros Teixeira, pai de Adherbal de Arecippo. Acervo de Wilson Lucena.


Manoel Francisco Pereira Filho, "Manoelzinho Pereira"
           
O poeta José Soares Pinto (Zuza)

Manoel Victorino Filho (Mestre Nousinho)

Orquestra do Mestre Nousinho em 15 de março de 1918 - Acervo Antônio Barbosa - "Tonho do Mestre"


Pão de Açúcar, na década de 1910.











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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia