quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

MISAEL DOMINGUES, O ENGENHEIRO DA MÚSICA

Por Etevaldo Amorim


Um misto de técnico e artista. É o que se pode dizer, de forma rápida e concisa, de Misael Domingues da Silva, esse notável alagoano que muito enalteceu o nome da sua terra no campo da engenharia civil e da música.  Difícil é dizer qual das duas capacidades foi preponderante. Enquanto aplicava, pelo país afora, a sua competência na execução de obras de grande porte e de alta complexidade, deixava-se tomar pela enorme inspiração para compor as mais lindas melodias, chegando a ser comparado a Ernesto Nazareth, na opinião do maestro Guerra Peixe.
Misael Domingues em foto de Oliveira & Tondella, Recife. Coleção Manoel Rodrigues, Fundação Joaquim Nabuco.
Nasceu na cidade de Alagoas (atual Marechal Deodoro), no dia 21 de dezembro de 1857, filho do casal João Domingues e Marquina Maria da Conceição Domingues, falecida em 23 de julho de 1909, em Maceió.
Estudou em sua terra natal e, aos doze anos de idade, foi para Maceió, onde ingressou no Colégio São Domingos, do qual seu irmão Francisco Domingues era Vice-Diretor. Alguns anos depois, lecionou desenho no Colégio Bom Jesus, fundado, em 1872, por este mesmo irmão.
Misael Domingues. Foto: Almanak Henaut, 1912-1913.
Em 1975, seu nome já era conhecido na Capital do Império. Nas páginas do Jornal do Comércio, consta anúncio da polka-lundú “Mamãe já disse”, impressa e distribuída pela loja de músicas de “D. Filippone”.[i] Estranhamente, seu nome aparece como “Misael Lordsleem”, que havia sido adotado pelo seu irmão José Domingues, sobrenome este que não pertence à família.
Quando foi estudar no Rio de Janeiro, em 1878, sua chegada foi anunciada no jornal Gazeta de Notícias (10 de março de 1878, p. 2):
“Chegou a esta Corte o jovem pianista compositor Misael Domingues Lordsleem, conhecido pelas suas graciosas músicas publicadas em Genebra, e outras aqui e em Maceió.
O nosso amigo foi aluno do bem montado Colégio Bom Jesus, nas Alagoas, e vem dedicar-se à carreira de Engenharia. Felicidades ao nosso talentoso patrício, que tantas provas de dedicação tem dado a esta nobre classe. ”
Formou-se pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, em 27 de novembro de 1885. Como profissional, exerceu numerosos cargos, principalmente na construção de estradas de ferro em Pernambuco e Pará e na fiscalização do porto da Paraíba (atual João Pessoa) e Recife.
Casou-se, em primeiras núpcias com a Srtª Isabel Domingues, natural de Jaboatão, que veio a falecer, a 3 de setembro de 1890, aos 25 anos de idade, vítima de tétano puerperal. Viúvo, e ainda nos seus 33 anos, contraiu novo matrimônio, e com outra moça de Jaboatão, a Srtª Maria Domingues Lacerda. Quis o destino que, também de parto, perdesse a sua segunda esposa, em 15 de agosto de 1895, deixando dois filhos menores.
            Casou-se, então, pela terceira vez, agora com Anna Domingues d’Além, com quem conviveu até o final da vida.
Francisco Domingues da Silva, professor, jornalista, abolicionista, irmão de Misael. Foto: O Malho, Ano VII, nº 338, 6 de março de 1909.
Teve papel importante na campanha abolicionista, participando, com seus dois irmãos Francisco Domingues e José Domingues Lordsleem e outros idealistas, de ações de alta relevância em defesa da causa dos negros. Tanto que, em 13 de julho de 1884, um domingo, na residência do Sr. Luiz Ephigênio do Rosário, reuniram-se artistas alagoanos e muitas outras pessoas de diversas classes e fundaram a Libertadora Artística Alagoana[i]. Essa associação abolicionista era composta de duas categorias de sócios: os Efetivos, formada exclusivamente por artistas; e os Protetores, constituída de outros que aderissem à ideia e contribuíssem da mesma forma que os sócios Efetivos. A primeira Diretoria ficou assim constituída: Presidente: José Domingues Lordsleem; 1º Vice-Presidente: Graciano Lapa; 2º Vice-Presidente: Joaquim Plácido; 3º Vice-Presidente: Ladislau Lobato; 1º Secretário: Adolpho Alencar; 2º Secretário: Pedro Nolasco; Orador: Dr. Misael Domingues; Vice-Orador: Augusto Sátyro; Tesoureiro: Antônio Alves.
Já no dia 3 de agosto, no Teatro Maceioense, participou, junto a cerca de cinquenta estudantes alagoanos, da fundação do Clube Estudantesco Alagoano[ii], outra associação de cunho abolicionista, cuja Diretoria ficou assim constituída: Presidente: Misael Domingues: 1º Vice-Presidente: José Simões; 2º Vice-Presidente: Gabriel Varella; 1º Secretário: Fausto de Barros; 2º Secretário: Eusébio de Andrade; Orador: Carlos Vallente; Vice-Orador: Fernandes Lima; Tesoureiro: Enéas Moreira de Lima.
Foi também fundador do jornal “Lincoln”, um dos jornais mais engajados na luta pelo fim da escravidão.
            Faleceu no dia 2 de outubro de 1932, na sua residência à rua Esmerandino Bandeira, nº 110, no Recife, deixando a viúva D. Anna Domingues d’Além, doze filhos e seis netos.
Por ocasião das comemorações do Centenário de Nascimento de Misael Domingues em Alagoas, o Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas realizou Sessão Solene, cuja saudação coube ao sócio Félix Lima Junior. A solenidade contou também com a presença do seu filho, o Engenheiro Agrônomo Renato Domingues da Silva, que executou, ao piano, algumas de suas músicas mais conhecidas.[iii] Em nome da família, agradeceu o Dr. Alpheu Domingues da Silva, também Engenheiro Agrônomo e técnico de reconhecida competência, tendo sido Chefe da Inspetoria do Serviço de Algodão do Ministério da Agricultura e Adito na Embaixada do Brasil nos Estados Unidos.
No Senado Federal, o Senador Ruy Palmeira fez pronunciamento em Sessão do dia 12 de dezembro de 1957, exaltando a sua figura, o mesmo acontecendo na Câmara Federal, por conta do Deputando pão-de-açucarense Segismundo Andrade.
Sobre ele falou Diegues Junior, no Diário de Notícias do dia 22 de dezembro de 1957, ao tempo em que registrava o enorme apreço que por ele tinham os membros de sua família, justificadas pelo fato de seu pai, Manuel Balthazar Pereira Diegues Junior, e o irmão de Misael, Francisco Domingues, terem sido companheiros de magistério:
“... o nome de Misael Domingues teve larga tradição; exerceu, no campo da composição musical do Nordeste, um papel importante, de alta influência, de repercussão social. ”
Foi autor de aproximadamente 90 obras, entre valsas, polcas, choros e maxixes, entre as quais:Saudade (valsa de salão); Vivam os Noivos, quadrilha brilhante; Grande Marcha Triunfal; Revelação, Romance Sem Palavras; Lágrimas de um Anjo, Mazurca Sentimental; Mimo do Céu; Misteriosa, polca; Vacilante, gavota; Veneza Brasileira, barcarola; Belezas do Recife: polca; 1897, valsa; Maria do Monte; Sophia – valsa; Editha – valsa; Vaporosa - grande valsa de salão; Ultima Ilusão; De Joelhos; Cavalinho de Pau – Mazurka; Balbuciando, morceau; Ao longe!... - rêverie, 1899; - Salve Alagoas, polka-marcha; Arrulhos, valsa; À Beira Mar, serenata; Ingênua, valsa; Inocência, romance para Violino, - redução para piano; Um Brinde, 14 de setembro de 1900;, Pierrot, polka carnavalesca; Valse Ballet; Valsa, 1903; Polka, 1902; Inahsinha, valsa; Aline, gavota; Cantilena , para canto e piano, poesia de Aníbal Lima, 1924; Alaide, polca; Besinha, polca; Brasileira, polca; Diva, valsa; Divinal, valsa; Doux Souvenirs, polca; Dulce, valsa; Eu Era Assim; Guiomar, pas de quatre; Maviosa, polca; Meiguice, grande valsa; Mes Songes, polca; Olha o Urso - polca (1901); Polka dos Calouros; Saudade - valsa de salão; Cismando; Tempestade - valsa; Vamos dançar? - polca brasileira; Viva a República - valsa; Volante - valsa; Zazá; Zeni – polca; 29 de maio (dobrado) Galope para piano (galope); Hino Escolar (letra de Gaspar Regueira); Século XX (marcha a 4 mãos); Onze de Junho (marcha triunfal); Noturno para piano (Noturno); Gentil (§), Guiomar (§), Impetuoso (§),Innah (§), Julieta (pas-de-quatre) Adelaíde (§), Belezas do Recife (§), Brasileirinha (§), Democrata (§), Polka para piano, Sanita, Yolita, Zeny (§) (polkas) Gargalhada, Polka (polka original) Ao relento; Maria José (1a. Pequena Valsa) Magnética (2a. Pequena Valsa); Caita, Dulce, Edith, Meiguice, Nilza; Nininha, Sinhazinha, Soupirs d`amour, Valsa de Concerto, Valsa para piano, Volante (§) (Valsa ) Viva a República (§) (valsa brilhante) Queixumes (valsa característica). Primeiro Hino do Estado de Alagoas, apresentado em 15/12/1889, composto para ser executado pela Filarmônica dos Artistas, foi executado pela Euterpe Alagoana, em récita da Sociedade Dramática Particular Pantheon Alagoano; Em Pleno Luar, para dois violinos (ou bandolins) e piano, Victor Préalle & Cia. - PE e Préalle & Comp. 5. Discografia: Momentos Musicais - De Carlos Gomes a Nazareth - 1897 e Vaporosa, valsas, Joel Belo Saores, piano, LP FENAB-002; SALGEMA - Valsas, Polkas e Mazurkas - A Música Alagoana do Ínicio do Século - Innahsinha, Arrulhos, Última Ilusão, valsas e Mazurka, Rio de Janeiro: 1987, Joel Bello Soares, piano, LP 992624-1; Recordações de um Sarau Artistico - Em Pleno Luar, serenata - Marena Isdebski Sales, violino, Nivaldo Francisco de Souza, flauta e Joel Bello Soares, piano LP FENAB - 109; Sônia Maria Vieira Revela Misael Domigues - Besinha, polca; Revelação, romance; Gentil, pas de quatre; Lágrimas de um Anjo, mazurca sentimental; Nilza, valsa; Brazileira, polca; Yolita, polca; Doux Souvenirs; Polka dos Calouros; Olha o Urso, polca e Saudade, valsa, Sônia Maria Vieira, piano; LP SMV- 001.
Capa da partitura da polca "Brasileira", editada por Victor Préalle, Sucessor, no Recife.
Capa da partiruta da polca "desinha", publicada na revista O Philarista.

Como engenheiro, atuou nas Estradas de Ferro Norte de Alagoa. Sul de Pernambuco; Central de Caruaru e Alcobaça à Praia Rainha, no Pará. Durante muitos anos foi engenheiro chefe das obras públicas do Estado de Pernambuco e técnico da Inspetoria de Portos, Rios e Canais.
Uma importante artéria da cidade de Maceió recebeu o nome de Misael Domingues. É a rua que liga a Barão de Atalaia à Av. Dep. Humberto Mendes (marginal do riacho Salgadinho), onde se situam o IFAL (antiga Escola Técnica) e o Posto de Assistência Médica conhecido com PAM SALGADINHO.
Em 1978, a RGE, com produção do maestro Guerra Peixe, lançou um LP da pianista Sônia Maria Vieira com suas principais obras: SÔNIA MARIA VIEIRA REVELA MISAEL DOMINGUES.
Sônia Maria Vieira, pianista intérprete de Misael Domingues. Jornal do Brasil, 14 de julho de 1980.
Capa do disco de Sônia Maria Vieira.
Fontes: Francisco Reynaldo Amorim de Barros, em seu ABC DAS ALAGOAS; Francisco Duarte para o Jornal do Brasil (14 de julho de 1980); memoria.bn.br.
_________
NOTA. Após a publicação deste artigo, recebi, do meu prezado amigo pesquisador Davi Roberto Bandeira, uma carta do Governador Muniz Falcão endereçara ao Dr. Alpheu Domingues (filho de Misael), em que lamenta a impossibilidade de realização da homenagem pela passagem do seu Centenário. Fica, então esse registro, conforme fac-simile da referida carta.

Carta do Governador Muniz Falcão ao Dr. Alpheu Domingues. 








[i] Orbe, 16 de julho de 1884.
[ii] Orbe, 6 de agosto de 1884.
[iii] Diário de Notícias, RJ, Suplemento Literário, 2 de novembro de 1957.





[i] Essa loja foi fundada pelo italiano Domenico Filippone, que chegou ao Rio de Janeiro, procedente de Trapani em fevereiro de 1834 e se estabeleceu, a partir de 1847, com uma imprensa musical na Rua dos Latoeiros, 59. A seguir, passou para a Rua do Ouvidor, 101 (depois alterado para 93), com o nome de Filippone & Cia e, a partir de 1855, “Filippone & Tornaghi”, ao admitir como sócio o músico italiano Antônio Tornaghi. Com seu falecimento em 1874, passou a denominar-se sucessivamente “Herdeiros de Filippone”; “Viúva Filippone” e “J. Filippone Filha”.



Um comentário:

  1. Marcus Vicicius unanimidade que tinha excelente Voz dominava o estilo Seresta como so ele, todavia ninguém o levou ao Recife para deixar registrado em disco sua voz.

    É recorrente este histórico com outros artistas de época, ainda bem que tem uma fita cassette orinda de muitas.copias o som bfm deteriorado, para nos consolar.

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia