sexta-feira, 19 de setembro de 2014

SANTA CRUZ DO DESERTO

Por Etevaldo Amorim

Durante o curto período em que exerci a função de Extensionista, na antiga EMATER, tive oportunidade de ministrar um curso de formação num pequeno vilarejo do município de Mata Grande: Santa Cruz do Deserto. Ali, na pequena capela, diante de um grupo de agricultores prejudicados pela seca, tentava incutir em suas mentes algo de técnico, como era do meu ofício. Lembro-me de, ao final, uma mocinha vir me entregar um papel, uma folha de caderno. Ali ela escrevera, em nome de seu pai, pobre agricultor, um relato dramático da sua situação, que era, na verdade, comum a todos.
Nas reuniões, no Escritório Regional em Santana do Ipanema, os colegas faziam chacota, achando engraçado aquele nome. Santa Cruz do Deserto... Pleno sertão, no caminho entre Mata Grande e Água Branca, antes de subir a serra. Muitas vezes passei por lá a caminho de Delmiro Gouveia, onde respondi, por menos tempo ainda, pelo Escritório Local.
Hoje, vendo um exemplar do Jornal do Penedo, edição de 25 de janeiro de 1879, encontro uma nota de alguém que se assina com o pseudônimo de “S.”, revelando como se fundou a capela daquele lugar. Como sei que muitos, talvez, não terão a oportunidade de ler, transcrevo a seguir:

“Lá, em um sítio solitário, quatro léguas acima da Mata Grande, Santa Cruz do Deserto é a primeira terra que se oferece aos olhos do que sobe de Terra Nova.
Quem sobe deste lugarejo, virando as costas para o sol, no fim de três léguas, a Norte de Pariconha, as eminências abaixando-se, retraindo-se, avista uma fita de terreno fértil e vicejante, assombrado de frescos arvoredos, qual é a planície abençoada da Santa Cruz do Deserto.
Em meio duma catinga esfarelada e rasa, entre serras que se arredondam, cingindo-a, o viajante pasma diante do espetáculo daquele sítio aonde se comove e exalta a cada passo.
É justamente o ponto mais vistoso deste sítio ameno e risonho que a piedade dos fiéis, muitos anos há, venerou, construindo uma capela, ou santuário, ornada de um só altar dedicado à Santa Cruz.
É célebre a história deste santuário, tão visitado pela devoção dos peregrinos, tão falado pelos seus grandes milagres.
Uma pia e velha tradição sustenta que, durante o ano de 1793, o famigerado Frei Vidal¹, que percorria a Província pregando e fazendo boas obras, descansou naquele ermo, então viçoso de ricos cedros e vistosos pereiros, cuja flor balsâmica recendia com fragrância a largo espaço.
Antes de prosseguir sua marcha, em memória da sua passagem por ali, mandou juntar duas achas de tosco e tortuoso cedro em forma de CRUZ e, benzendo-a, fincou-a no chão, ao lado esquerdo do atalho que dá para a Mata Grande.
Não muito depois do ano indicado, enfermo e desconfiado dos remédios da medicina, um rústico lembrou-se de invocar e abraçar-se com a valiosa proteção da SANTA CRUZ DO DESERTO. Sucedeu como a esperança lho prometia; porque, no mesmo instante, desapareceu o mal e voltou-lhe a saúde. Para logo o camponês fez cobrir a Santa Cruz, até então posta ao desabrigo, com uma pequena casa de oração.
Mais tarde, a primeira Família da Mata Grande, no seu tributo religioso, mandou construir ali uma Capela, que é a que ainda hoje existe.
Tal é o resumo da história do santuário, em que a reverência dos peregrinos, no ardor do seu entranhado reconhecimento, sagrou a sua memória dos grandes prodígios da SANTA CRUZ DO DESERTO, estampados nas paredes laterais e atulhados à direita e à esquerda da porta principal.
Contemplar aqueles testemunhos, tão eloquentes na sua mudez, é decerto exultar de alegria e ao mesmo tempo bendizer o símbolo sagrado da Redenção.
Ainda hoje, que tantas ruínas atestam a assolação carregada das iras celestes, que passou por cima das povoações vizinhas, ainda hoje SANTA CRUZ DO DESERTO como que só existe para nos apontar o que era e o que é: um padrão de glória.
Ontem, como hoje, no século que já lá foi, como no em que estamos, a Santa-Cruz do Deserto não foi invocada inutilmente. Esta é a razão por que, a cada passo, está sendo visitada por todas as classes e estados.
Ali o Cristo sincero exclama comovido:
— Senhor, Rei da Cruz, tenho fé; ajudai a minha fraqueza!
Ali os crentes simples de coração se consolam na doce esperança de que a suma retidão pagará as tristezas e trabalhos da vida presente com as venturas perenes, afiançadas  aos justos e fiéis.
Ali os corações devotos se abrasam no incêndio do amor para com AQUELE que se sacrificou por nós nos braços dolorosos da CRUZ.
— SALVE, ó CRUZ, esperança única!
— SALVE, verdadeira árvore da liberdade!
— SALVE, manancial de salvação e de GRAÇA!

Baixa do Meio, 10 de dezembro de 1878.

S.”

¹ O nome desse frade é Vitale de Frescarolo. Andou pelos sertões do Ceará, Pernambuco e outros Estados entre 1781 e 1820, onde ficou conhecido pelo nome de Frei Vidal da Penha (alusão ao convento da Penha, no Recife).

Igreja de Santa Cruz do Deserto. Fonte: Google Maps.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

16 DE SETEMBRO

Por Etevaldo Amorim 

Quem não se lembra, com saudade, dos desfiles de 16 de setembro em Pão de Açúcar?

Não sei por que razão, mas Pão de Açúcar sempre preferiu comemorar com mais ênfase a Emancipação Política de Alagoas. No 7 de setembro, apenas uma representação das escolas, um hastear de bandeiras, e só.

Depois de longos dias de ensaios, lá íamos nós, formados em pelotões, a desfilar, sob um sol escaldante, pelas ruas e avenidas de uma das cidades mais quentes do Brasil.

Os ensaios no Ginásio D. Antônio Brandão eram longos e carregados de tensão. Afinal, tudo tinha que estar perfeito no dia do desfile. O maestro da banda marcial – Zé Braz, ensinava os toques de comando para os movimentos da “tropa”. Dois toques: girar para a direita; três toques: girar para a esquerda. Vez por outra, alguém errava. E o diretor, Dr. Átila, corrigindo o deslize, bradava:

— DOIS É DIREITA MOÇA!!!!!

Todas as escolas se empenhavam ao máximo para fazer melhor. Além da formação clássica, com pelotões de alunos vestindo uniforme de gala, havia também os chamados “esportes”, pelotões temáticos, alusivos ou não à data cívica, mas que davam um tom de beleza e graciosidade. Em 1969, ficou particularmente famosa a alegoria à conquista da lua, com a nave Apolo 11. Famosos também ficaram os “Cavalos do Rosália”, pela entusiástica narração do vereador Pedro Lúcio que, do alto do Coreto, anunciava a aproximação dos grupos escolares, do ginásio e do colégio das freiras.

Ao escurecer, depois de voltas e mais voltas pela extensa Avenida Bráulio Cavalcante, todos se reuniam em torno do Coreto em frente à Matriz. Após o hasteamento das bandeiras, já de noite, as autoridades se esmeravam em discursos intermináveis, de improviso ou não, neste caso correndo o risco de iniciá-los com uma referência descabida a um “sol causticante”, que de há muito já desaparecera por detrás do Cavalete.

Ficaram, no entanto, as citações famosas, como aquela de Castro Alves, que nos ensinava que “a praça é do povo como o céu é do condor”.





A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia